D O I S

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• H E N R Y •

DIZEM QUE NOSSOS MAIORES temores se tornam nossos piores fantasmas e as pessoas que disseram isso tinham toda razão. O medo faz com que a gente se guarde numa bolha, sem se importar com as consequências da nossa covardia.

Nesses últimos anos, tudo que eu fiz foi me corroer em remorso, me flagelando dia após dia por uma coisa que jamais me perdoaria. E se eu não era capaz disso, será que meu filho e Valentina seriam?

Eu duvidava muito, mas lá no fundo, bem na escuridão do meu coração, a pequena fresta de esperança se mantinha aberta, mesmo cercada de um infinito breu.

No começo parecia fácil. Eu só deveria esquecer tudo que vivi em Havana: meu relacionamento amoroso com Celina, as aventuras com Valentina e Ethan, a primeira noite de porre; coisas normais para um jovem de vinte e cinco anos no início da carreira profissional, cheio de sonhos e ambições.

Mas quanto mais os dias se passavam, mais eu me sentia incompleto. Eram pesadelos constantes com Celina, sua última feição antes de morrer, os gritos e socos de Valentina em mim, além da minha primeira e única olhada no bebê.

É.

Eu o vi.

E ninguém sabia disso.

Antes de ir embora definitivamente, fui até o setor de UTI Neonatal - devido ao parto complicado e o estado de saúde delicado de Celina, ele precisava de supervisão por um tempo - e vislumbrei o pequeno ser cheio de vida dentro da incubadora, monitorado pelas enfermeiras e pelos equipamentos médicos. Ele se contorcia, mexendo os pezinhos e as mãozinhas com força, descobrindo e conhecendo o ambiente grande e bem iluminado, cheio de determinação. Até ele parecia ser mais corajoso que eu.

Ah, como eu queria ser tão forte assim. Como eu queria poder enjaular minha fraqueza dentro de uma cela fechada e jogar a chave do cadeado fora, para começar do zero. Seria somente eu e ele, com uma vida repleta de descobertas pela frente.

Mas eu não conseguiria. E doía demais saber disso e não lutar contra.

Antes que eu partisse, seu olhar encontrou o meu, e ficamos assim, nos encarando silenciosamente. Ele não sabia quem eu realmente era, mas eu sabia, o que tornava tudo ainda mais difícil. Uma lágrima escorreu pesada pelo meu rosto e eu me virei, sem nem dizer adeus.

Talvez no fundo eu soubesse que não era realmente um.

Agora, cinco anos depois, eu me sinto homem suficiente para arcar com minhas responsabilidades e a principal delas é assumir meus erros e tentar conquistar o carinho e o amor do meu filho.

Seu aniversário estava próximo. Nunca me esqueci da data. Para ele devia ser um momento de alegria, mas para mim, era sinônimo de tristeza. Não por causa dele, é claro. A mesma data marcava a morte de Celina e o fato de eu tê-lo abandonado. Mas esse ano seria diferente. Eu estaria lá, por ele, por Celina e por mim.

Celina.

Sempre me perguntei se minha atitude apenas contestava que eu não a amava.

Será?

Talvez a culpa fosse realmente minha e eu não devesse procurar motivos para justificar. Celina foi uma parte muito importante da minha vida. Mesmo com as brigas e as inúmeras crises de ciúmes, ela realmente me amava.

E eu?

Se realmente a amasse, jamais teria magoado-a desta forma, penso.

Neste exato momento, onde quer que ela estivesse, deveria me odiar e com razão.

SENTIDO DO AMOR - Série AMORES PARADISÍACOS Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora