Capítulo 4

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O dia amanheceu, os primeiros raios solares escaparam pelas frestas da cortina blackout que cobria a janela. 

Jardel levantou. Cambaleando, foi em direção ao banheiro e exorcizou suas necessidades. Escovou os dentes, quando ouviu os murmúrios de sua esposa, coberta por vários lençóis: 

- Você deixou esse ar condicionado gelado demais. 

Ele riu:

- Bom dia amor! Dormiu bem? Eu dormi, obrigado por perguntar - Cinismo era o seu ponto forte.

Ela caiu sobre os lençóis e mais uma vez foi consumida pelo sono eterno. 

Ele, bocejou a água, fez um leve gargarejo, cuspiu, limpou os lábios e foi em direção à cozinha. Lá chegou e logo sentiu um forte desejo que vinha de suas entranhas. Não teve jeito, espirrou. 

- Atchiiiiiim! - Assoou o nariz e voltou a fazer o que estava fazendo.

Não demorou e novamente aquele desejo:

- Atchiiiim! - Dessa vez mais forte, como se o pulmão desejasse sair pela garganta e tudo.

Mais uma vez assoou o nariz e continuou a preparar o café. 

Enquanto os ovos fritavam, Jardel pegou o controle e ligou a tv. Adorava assistir aquele telejornal da manhã. O âncora entoava:

- Notícia. O presidente Bolsonaro foi à manifestação em frente ao palácio. Cumprimentou alguns apoiadores e passeou em frente a esplanada dos ministérios (...) 

Enquanto a notícia rolava, Jardel espirrou umas duas vezes, talvez três, quem sabe? Aquela altura já não se importava mais. Colocou o café na xícara, despejou o leite, duas gotas de adoçante e o ovo no pão.

Aproximou-se da mesa e, entre uma notícia e outra, Jardel fora vencido por mais alguns espirros. O catarro começou a escorrer pelo canto direito de seu nariz. Ele, relutante, franziu a sobrancelha, limpou a sujeira com o guardanapo que estava a sua frente, sem se importar muito, o jogou na cesta que estava a alguns metros de distância. 

Sua esposa acordou, ainda de cara amarrada, pegou seu cereal, jogou o leite por cima e partiu em direção à mesa, dizendo:

- Não aguento mais isso. Todo dia esse jornal! Jardel. Desliga isso, homem de Deus! - Aquela voz impositiva, sempre assustava o pobre marido.

Como um bom marido, não se importou das lamentações de sua esposa, deu de ombros e fingiu que não ouvira nada. Ela, consumida pelo mal humor matinal, engoliu os cerais às pressas. Se levantou, quando ouviu mais um espirro:

- Atchiiim!

Ela paralisou. Fitou o marido. Ele, totalmente anestesiado com as notícias lamuriosas da tv, nem se deu conta que estava sendo encarado. Ela se aproximou, encostou sua mão esquerda  no pescoço dele e logo percebeu que o marido estava a arder em febre. 

- Ei... Você não está sentindo frio? - Perguntou em tom da mais pura e inocente curiosidade.

- Não - Respondeu friamente.

- Tem certeza? - Insistiu.

- O que foi Romilda? Diga logo, mulher. 

- Eu acho que você está doente, só não percebeu ainda. - Respondeu em tom de aborrecimento, virando de costas, indo em direção à cozinha.

Ela fingiu não se importar. Apenas fingiu. Em seu âmago o temor pulsava como uma bomba relógio. 

Enquanto o jornal anunciava o som do fim, tocando a vinheta de despedida, ela voltou. Vestida por um short e camiseta, trazendo consigo o calção, cinto e camiseta de seu marido. Ele limpou o prato, quando recebeu o susto: 

- Vista isso! Vamos no hospital agora! - Despejou a muda de roupa sobre a mesa, apontando em tom de autoridade.

Ele fez pouco caso.

 A noite, o resultado dos exames: POSITIVO.

Ela franziu a testa, fitou o seu marido com o ar de "Eu avisei!".

Ele, sem se importar, bocejou, dizendo:

- É mesmo? E agora?

- Agora? Você vai se consultar com Dr. Armando. Já estou falando com ele.

- Oh mulher... Deixe de besteira! Vou já tomar o Cloroquina, dizem que tá salvando o povo. 

Ela arregalou os olhos, fitou o marido novamente, largou o celular e em tom de ira esbravejou:

- Você tá ficando louco? Não... Louco não, irresponsável! Isso sim! Você acha que o dr. Armando vai lhe prescrever isso, sendo você cardiopata? - Era possível sentir o gosto amargo em suas palavras.

- Claro que sim. Tá todo mundo tomando. Qual o problema?

- Quer saber? Eu desisto! Faça o que você quiser. - Bufou, balançando a mão.

Às 22h, antes de dormir, Jardel respirou ofegante. Sua esposa já estava no terceiro sono, ele arquejou. Arquejou e arquejou. Ela, apenas dormia o sono dos inocentes. De repente um grito abafado esvaiu-se em meio aos arquejos. Romilda acordou.

- Meu Deus!! - De olhos arregalados, ela viu seu marido arroxear, os lábios inchados, olhos arregalados.

A tv estava ligada, o telejornal anunciava:

"Cloroquina salvou o presidente..."

Romilda correu, pegou seu celular e clamou para o 190 o socorro. Do outro lado o médico disse o passo a passo do que fazer, ela, disciplinada, obedeceu. 

Em poucos minutos a ambulância chegou, foi possível ouvir a sirene tocar. 

O fato é: Com cloroquina, sem cloroquina, Jardel precisou entubar-se.

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