12 de Agosto de 2020, são 6:30 A.M., Joanilson abriu os olhos e viu um sujeito de avental branco. Com as mãos frias tocou-lhe a ponta dos pés:
- Bem vindo - disse ele.
Joanilson franziu a testa, olhou em volta e gaguejando disse:
- Onde é que estou?
- Hospital Santa Margarida, eu sou enfermeiro. - respondeu friamente enquanto anotava algo no papel em branco.
- Hospital?
- O senhor está aqui há dois meses. Em coma, mas não se preocupe, é do governo. O senhor não precisará pagar nada.
- Em coma?
- Sim, chegou aqui sem respirar, os médicos tiveram que lhe fazer massagem cardíaca e vários procedimentos, até mesmo traqueostomia para conseguir reatar o fôlego. O senhor não lembra de nada?
Joanilson balançou a cabeça, com os olhos arregalados, sem entender ao certo toda aquela história de quase morte. O enfermeiro continuou:
- Vou medir sua pressão. - Puxou o medidor, aquele que deixa seu braço com a sensação de que vai explodir: - Treze por nove... - Anotou no papel: - Está ótimo! Agora vou lhe dar o comprimido.
Os dias se passaram, nenhuma notícia dos parentes, da namorada, nada... Apenas a sala branca, aparelhos por todo lado, um isolamento que muito haveria de parecer com um retiro espiritual nos montes tibetanos caso não fossem aquelas malditas máquinas que apitavam a cada cinco segundos. De vez em quando um enfermeiro vinha medir os batimentos cardíacos, pressão, glicose e respiração, sem muito contato, cheio de equipamentos de proteção. O pobre Joanilson sentiu-se claustrofóbico, toda vez que o enfermeiro vinha lhe visitar ele saltava da cama como um cachorrinho que acabara de ver seu dono.
- O fiscal da vigilância sanitária quer falar com o senhor.
O fiscal era um sujeito gordo. Entrou limpando o suor do rosto com um lenço, com uma máscara no rosto, sua voz era abafada, mal podia ser ouvida enquanto conversava com o enfermeiro. Passou pela porta, acenou para o pobre enfermo:
- Oi... - cumprimentou sem qualquer simpatia: - Esse hospital é uma merda. Obriga a gente a trabalhar com toda essa parafernalha. Puta que pariu!
Sentou-se numa cadeira ao lado da cama.
- Meu nome é Aristides. O seu é... - folheou o monte de papéis que estavam em suas mãos: - Joanilson da Silva Medeiros... - Olhou para mim com aquele olhar apertado, mas que poderia expor o ódio que sentia pelo ofício.
Foram feitas algumas perguntas, a maioria delas acerca de como era o "modos operandi" do dia a dia, algumas acerca de onde esteve, do que fazia, até os detalhes mais sórdidos o fiscal quis saber.
Ao final, levantou-se. Ajeitou a máscara e, sem apertos de mão ou qualquer toque, acenou dizendo:
- Cacete. Que calor dos infernos! Esse hospital não tem ar condicionado. O país vai de mal a pior!
E saiu batendo a porta.
Joanilson não se importava com o calor, o que ele queria mesmo era ter notícias da família, da namorada, dos colegas de trabalho.
Depois de mais um dia inteiro naquele tédio sem fim, um enfermeiro entrou:
- O senhor é muito sortudo, viu. Não sei como não bateu as botas.
Joanilson olhou para o enfermeiro com aquele olhar desesperançoso e respondeu:
- O seu colega já me disse isso. - Deu de ombros e voltou sua atenção para a notícia na tv.
Após alguns dias, Joanilson saiu do hospital. O sol queimou-lhe a retina, contraindo a face e levando o braço esquerdo ao rosto. Acenou para um táxi, o carro parou. Ao entrar, o taxista ofereceu álcool em gel e água. Logo partiram rumo ao destino.
No meio do caminho, atravessando a Av. Senador Salgado Filho, indo em direção ao bairro da Candelária, Joanilson se deu conta que a respiração estava ofegante. Parecia um ataque de ansiedade. Olhou em seu peito e viu uma cicatriz que percorria do mamilo esquerdo até suas costas.
Chegou em casa, os parentes não estavam. Nem mesmo o cachorro caramelo, a quem sempre colocava ração antes de ir ao trabalho estava presente. Parecia que o tempo havia parado. Tudo do mesmo jeito quanto lembrava.
Foi em direção ao quarto, abriu a porta e estava lá, as fotografias em cima da cama, todas espalhadas, algumas jogadas ao chão. Tremeu.
Voltou para a sala e se deu conta que na verdade nunca houve família, parentes, namorada... Joanilson vivia sozinho e, após contrair a abominável doença perdeu todos os contatos. Os amigos acreditavam que havia morrido, os colegas de trabalho já haviam dado por certo de seu falecimento. Sentou-se no sofá e chorou.
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Contos de fim de semana
Short StoryUm compilado de contos forjados em meio a uma quarentena onde as histórias borbulham no ócio gerado pela pandemia.