01. Abismo

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I could pull all the sheets over my head and never get out of this bed

But, what would that do?

(Eu poderia puxar os lençóis sobre a minha cabeça e nunca sair dessa cama. 

Porém, o que isso resolveria?)

Haunted - Melanie Martinez

ᴇᴜ ᴇsᴛᴀᴠᴀ ᴄᴀɪɴᴅᴏ, caindo e caindo

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ᴇᴜ ᴇsᴛᴀᴠᴀ ᴄᴀɪɴᴅᴏ, caindo e caindo.

Tudo a minha volta era escuro. Se fechasse ou abrisse os olhos, não faria diferença. O vento que batia contra mim me congelava, arrancando frações de quem eu era, desmontando-me.

Meus restos ficavam para trás a cada metro que eu alcançava na queda. Para completar, algo mórbido me consumia de dentro para fora, como se todas minhas reservas de vida tivessem se esgotado.

Sentia-me com pensamentos vagos, sem qualquer brilho que eu ousava dizer que me acompanhava. Parecia que, ao ir embora, Victor desligou a luz que havia em mim.

Quem eu quero enganar?, pensei, fechando os olhos. Inspirei longamente. Ele era minha luz.

Com o pensamento, tive a sensação de cair mais rápido, sentindo aquele abismo sem fim roubar o ar dos meus pulmões mais uma vez. O medo de onde eu iria parar me fazia sentir um nervosismo que provocava a sensação de desamparo.

Então, da escuridão costumeira, eu vi um feixe de luz.

— Ellie! Eu não posso ficar só vendo você sofrer, sério. — era Ester. Forcei a vista e percebi que ela havia aberto a cortina, deixando os raios do sol passarem pela janela. — Já chega.

Funguei e abri mais os olhos, observando minha amiga se sentar ao meu lado na cama. Ela passou a mão em minha testa, suas feições moldadas em preocupação.

Éramos amigas desde o ensino médio, e dividíamos o apartamento para fazer faculdade. Estávamos de férias, e nos últimos dias tenho certeza que Ester pensou que estava morando sozinha.

— Elena, a última vez que te vi colocar os pés pra fora desse quarto foi antes de ontem. Vem, vamos dar uma mudada nisso. — ela disse se levantando e me puxando pelo pulso. Com certo custo, sentei na cama.

— Eu não consigo, Ester.

Franzi o cenho, estranhando minha própria voz. Minha amiga me encarou com um brilho de certeza nos olhos que me assustou.

— Você pode não conseguir sozinha, mas eu vou estar aqui para te apoiar.

Um soluço rasgou meu peito e novas lágrimas surgiram de onde eu achei que não seria possível brotar mais. Ester me envolveu em seus braços.

Eu e Victor havíamos namorado durante três anos, e perdê-lo foi como perder a mim mesma. Estava de luto por tudo que eu era e perdi.

Sem que me desse conta, Ester me guiou até o banheiro, deixando-me ali em pé por alguns segundos para pegar algo que não entendi o que era. Tentei evitar o espelho, mas uma força desconhecida me forçou a enfrentá-lo.

Ao erguer o olhar, notei minhas íris azuis escondidas atrás de pálpebras inchadas. Meu cabelo caía ao redor do meu rosto, antes um loiro dourado, que agora estava seco e se assemelhava a palha. Minhas bochechas pareciam na iminência de descascar, de tão secas, assim como meus lábios.

O que foi que eu fiz comigo?

O pensamento me surpreendeu, deixando-me com um senso de culpa. Eu não sabia quem era eu, muito menos o que havia causado a mim.

— Aqui, veste isso. — Ester apareceu, tirando-me da tortura que estava sendo encarar meu reflexo. Ela me estendeu um biquíni. — Quando terminar me chama.

Agindo no automático, tirei o pijama que estava usando, deixando-o cair no chão e o empurrei para o lado para enfim colocar o biquíni. Ao levantar a cabeça, percebi meu corpo depois de bons dias sem encará-lo.

Foi como me vislumbrar pela primeira vez.

E eu não gostei da sensação.

Observei as curvas, a forma que as estrias carimbavam minha pele e como meus músculos não eram moldados por dedicação a exercícios físicos. Talvez seja por isso que o Victor terminou comigo...

— Ellie? — Ester bateu na porta — Tudo bem?

Apoiei meus dedos suavemente em meus lábios, que tremeram, e fechei os olhos, tentando me concentrar em segurar uma nova onda de choro. Devido a minha demora para responder, Ester abriu a porta ligeiramente e, ao me ver naquele estado, entrou no banheiro já passando um braço ao redor dos meus ombros.

— Oh, Ellie... — ela suspirou, guiando-me para uma cadeira que não percebi que estava ali no box. Ester provavelmente a havia levado até lá antes de me chamar.

Sentei-me, e logo ouvi água caindo do chuveiro. Ester usava a pequena mangueira para molhar meu cabelo entre passadas de shampoo e condicionador, respeitando meu silêncio.

Queria agradecê-la pelo que estava fazendo, mas não era capaz de falar. A sensação de que era culpa minha o fato de Victor ter terminado o namoro me dominou novamente, fazendo um nó se formar em minha garganta.

Como a água que eu ouvia correr, as memórias que estava evitando recordar, aquelas dos últimos anos, jorraram em minha mente. Todas eram felizes, de um relacionamento saudável, poucas brigas e um companheirismo admirável. Nós dois sempre tentávamos concertar tudo que parecia fora do lugar.

Então, por quê?

Cada porção da minha energia, de quem eu era, dos meus gostos, de canções que alcançavam minha alma e filmes que me faziam vibrar, eu compartilhei com ele. Victor fez o mesmo, e nossas personalidades se mesclaram, formando o que conhecíamos como amor.

Eu dei tudo que tinha para aquele relacionamento. Não sobrou nada mais para dizer, era uma entrega completa.

Por isso eu não entendia, por quê acabou? Por que tão de repente?

Eu tinha convicção de que seria para sempre.

Trinquei os dentes, sentindo algumas lágrimas se misturarem com a água do chuveiro. Sem perceber, cravei as unhas sutilmente nos braços da cadeira.

Um novo sentimento começou a engolir a tristeza, construindo-se aos poucos. Antes, o que era um abismo escuro e cinza, foi tingido de vermelho, as pedras se transformando em lava.

O que nascia em mim era raiva.

Palavras: 924

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