Eu nunca achei que fosse gostar de estar só
Sozinha - Manu Gavassi
ᴇᴜ sᴀʙɪᴀ ᴅᴏ meu lugar no mundo. Eu me conhecia novamente.
Não, não foi da noite para o dia que obtive esse estado de espírito, mas foi da noite para o dia que percebi onde havia chegado. Depois de a cada momento lutar para colocar minha cabeça no lugar, hoje eu acordei com uma sensação leve no peito. Uma sensação de que apenas eu bastava, mais ninguém.
Talvez não dure para sempre, e provavelmente não irá, mas eu aproveitaria até o último segundo.
E por isso eu já estava pronta para sair de casa. Havia colocado uma roupa que estava empolgada para usar, apenas para melhorar mais ainda o dia ensolarado, e peguei algumas coisas.
Guardei tudo que precisava em uma pequena mochila e quando dei por mim, já estava no parque, sentada embaixo de uma árvore em cima de uma toalha de piquenique, fazendo caretas por causa do livro em minhas mãos. Em um momento de vergonha alheia do protagonista, fechei o livro e bufei, e acabei desviando o olhar.
Além das árvores que estavam com um brilho dourado pelo sol, do céu azul com poucas nuvens e crianças brincando, reconheci algo familiar. Era o banco que Victor e eu nos sentamos há oito meses.
O parque era grande, e eu não reparei que tinha caminhado justamente para aquele lado. Foi uma coincidência que me gerou um misto de sensações, mas o que prevaleceu foi a gratidão por ter crescido a partir daquele instante de desespero.
Diferente daquela época, agora sabia quem eu era. Por mais que tivesse consciência de que a busca por mim mesma nunca teria um fim, pois essa é a graça da vida, eu agora tinha uma identidade, e não a daria inteiramente a ninguém mais, manter minha essência para mim foi uma das coisa que aprendi de toda aquela situação.
Estava distraída com os pensamentos que quase não ouvi meu nome ser soprado de alguns metros de distância.
— Elena.
Virei-me, surpresa. Foi uma afirmação, meio assustada, feliz e ansiosa ao mesmo tempo. Victor estava ali, estancado no lugar, como se estivesse passando e acabou me vendo por acidente.
Observei seu semblante, os olhos negros refletindo o verde e a luz dos arredores, o cabelo estava recém-cortado e ele parecia mais brilhante. Mais uma vez, reconheci a nele a mesma energia de renovação que havia em mim.
Um sorriso tomou meu rosto. Estava genuinamente feliz por vê-lo bem.
— Como vai, Victor?
Ele pareceu relaxar inteiramente, como se um peso antigo foi removido de seus ombros, e devolveu o sorriso.
— Vou bem. E acho que você também.
— Sim, eu estou bem. — Victor pareceu me analisar por um segundo e eu ri. Ele costumava fazer aquilo para ter certeza de que eu não mentia. Decidi assegurá-lo. — De verdade.
O sorriso se alargou.
— Fico feliz por você.
Assim que ele terminou de falar, alguém o chamou. Ele se virou e eu pude ver uma garota carregando dois sorvetes.
Era a atendente do mercado.
Victor se virou para mim mais uma vez. Meu coração fez uma acrobacia, e não foi porque o encarei, mas sim porque eu percebi que estava de fato empática com os sentimentos dele. Queria ver Victor bem.
— Também estou muito feliz por você.
Ele assentiu, como se agradecesse, e nós trocamos acenos. Ele retornou para a garota e eu retornei para o meu livro.
Não estávamos mais mesclados. Não éramos duas identidades confusas.
Éramos dois inteiros. Dois indivíduos que haviam crescido com a experiência que compartilharam. Dois indivíduos que não haviam se abandonado ao nada.
Indivíduos orgulhosos de si mesmos.
Palavras: 588
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Não Se Abandone ✓
Short StoryVictor decidiu colocar um ponto final em seu relacionamento com Elena. Agora sozinha, ela se percebe carregando um enorme vazio além da dor que o término deixou. Ellie estava abandonada. Porém, ela não poderia acusar ninguém por estar à deriva além...