Capítulo 2 - Lua Cheia

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Santarém, 2017

Quando aqueles que podem retornam aos seus lares para uma noite de sono, Kauê percorre a avenida Tapajós para observar as lojas com vitrines de peças decorativas. Geralmente, uma luz branca é jogada sobre os objetos ali dispostos. Um em especial, há tempos lhe chama atenção. Era uma bailarina, com um tutu rosa e pele escura. Diferente do esperado, ela estava sob uma vitrola. E sempre que a lua cheia chegava, iluminava a bem mais do que a luz artificial. Seu sonho era poder ouvi-la.

— Você não cansa de vim ver essas quinquilharias? — João o chamava, enquanto buscava mais papelões pelas ruas do centro.

O trabalho de ambos era cuidar dos carros ali estacionados, ganhavam pouco, o sol era escaldante e parecia pior a cada dia, mas conseguiam se alimentar. Tornaram-se amigos quando João decidiu adotar o jovem de pouco mais de 18 anos, sem ter onde morar.

— Você não entende. Um dia eu vou comprar essa bailarina. Imagina só a música que pode sair daí? — O rapaz acabou tropeçando ao tentar aproximar as mãos e tocar o vidro com força suficiente para quebra-lo. O alarme da loja soou ensurdecedor.

— Olha só o que você fez, Kauê. Isso que dá viver no mundo da lua, aproveita e pega logo isso! A gente vai ter que correr do mesmo jeito. — Seu amigo já havia jogado os papelões no chão e corria em direção a esquina.

— Não, não é justo! — Ele gritou, sentindo o sangue escorrer das mãos, um pequeno corte havia sido feito. Suas lágrimas caíam.

Por sorte, os dois conseguiram escapar. Chegaram cansados na avenida Rui Barbosa, pularam o muro de uma das casas abandonadas e decidiram passar a noite lá. Kauê não parava de pensar na bailarina da vitrola.

— Burro! Você é burro! Não sabe que pessoas como nós viramos estatísticas todos os dias. Já somos uma, você quer fazer parte de outra? — João não queria dizer aquilo de fato, mas sabia que para sobreviver, você aprende a ser duro. Frio como a noite era.

— Eu não quero isso pra mim a vida toda, Jão. — Kauê choramingou — Quero ser que nem as pessoas que vão a orla para passear. Estou cansado disso tudo.

— Você sabe o caminho. Eu tentei por muito tempo e não consegui, mas você é novo e sequer tem um vício. Você ainda tem chance. — O conselho foi dito com toda a dor e força que a idade o fez ter.

— Prometo tirar a gente disso, Jão. Prometo. — Kauê afirmou enquanto molhava a mão com a torneira que encontrara do lado de fora, o corte ardia.

Eles se ajeitaram na calçada, debaixo da parte do telhado que não tinha buracos, para que a chuva não os encontrasse e adormeceram. O jovem começou a alimentar no peito, sem saber, a salvação de Belle.

A Bailarina da Lua CrescenteOnde histórias criam vida. Descubra agora