Encantos, 1933
Era lua minguante quando, a mulher que fazia a faxina do teatro encontrou a miniatura no chão próximo ao palco. Rodou a pequena manivela amarela, na lateral da caixa e viu a dança começar enquanto a música mais triste que ela já ouvira tocava. Limpou as lágrimas de seus olhos e com o mesmo lenço limpou a peça em suas mãos. Deveria valer umas boas moedas, seria bem melhor do que sentir isso de novo. Ao mesmo tempo, ela não conseguia desapegar. Foi tomada pela súbita necessidade de cuidar daquela bailarina, estava apaixonada.
Encantos, 1983
— Luíza, essa bailarina foi de sua avó. Ela a guardou com tanto cuidado, seria horrível de nossa parte nos desfazer dela. — A mulher, filha da faxineira que encontrou Belle a primeira vez, lamentou.
— Não temos dinheiro algum, mãe. É isso ou morreremos de fome dentro de alguns dias. — As duas mulheres estavam tristes. Decidiram não girar a pequena manivela, sua avó avisou que a afeição que criara pelo objeto nasceu desde que a ouviu naquele primeiro momento.
Luíza saiu de casa com a missão de não girar a manivela. Mas, como boa jovem curiosa que era, antes de entregar ao comerciante, pôs para tocar aquela melancólica melodia. Seus olhos observavam atentos o movimento da bailarina, pareciam brilhar e era uma das bonecas mais bonitas que já vira. Mas, era tão triste quanto a música, era como se aquela caixinha de cores vibrantes fosse a personificação da tristeza. Ela também chorou. E entre as lágrimas, entregou às mãos do homem que lhe estendia a mão com moedas suficientes para viverem por um ano.
Encantos, 1993
Presa naquele objeto, Belle chorava sempre que era colocada para dançar a mesma música e o mesmo movimento. A força de suas lágrimas e dores era sentida pelas pessoas quando aquela manivela era girada. Quanto mais os anos passava, mais triste ela ficava. Porque sabia, não importava quem fossem, sempre uma nova mão a fazia dançar e uma nova paixão também era iniciada. O feitiço de Gael teve o tamanho do amor que ele queria a fazer sentir, transformado na dor de não a ter. Deve ser por isso que as pessoas temem a paixão. Porque ela vira justificativa para atos cruéis e algumas pessoas ainda dizem: você precisa entender, isso é estar apaixonado.
Encantos, 2017
Belle perdeu as contas de quanto tempo se passou, a sociedade inteira havia sido modificada. Nada mais era como ela conhecia. Sua trajetória estava marcada pela tristeza. Não existia um lugar ou uma pessoa que quando a conhecia, não caía em um abismo. E destruída por dentro, ela via as lágrimas escorrerem dos rostos de quem a tocava. Cada vez mais, ela perdia as esperanças. Por muito tempo, desejou a morte de Gael. E por mais um tempo, tentou perdoa-lo. Não conseguiu. A dor causada por ele era incapaz de oferecer o perdão. O máximo alcançado foi não desejar sua morte.
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A Bailarina da Lua Crescente
NouvellesA cidade de Encantos recebeu esse nome por conta das inúmeras lendas que a cercam. Uma delas, é a da bailarina da lua crescente. Uma dançarina chamada Belle, há muito tempo, foi enfeitiçada por Gael, em uma noite de início de ciclo lunar. Ele não co...