#14 what if it's us

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Jungkook

Armistício.

É como é chamado o gesto a partir do qual as partes em conflito decidem parar de lutar. Superestimei muito a ideia de vencer ou perder e só depois percebi que estar apenas no meio entre essas duas coisas poderia ser a melhor saída. Não significa necessariamente o fim de uma guerra, mas é de certa forma uma paralisação dela.

O conceito de família sempre foi algo muito nebuloso para mim, quero dizer, existiam todas aquelas lembranças boas com eles, mas as ruins eram muito mais numerosas e muito mais predominantes. Ninguém nos ensina isso, mas nem sempre relacionamentos familiares tem que ser mantidos, não quando eles estão nos matando por dentro. Em alguns momentos a melhor saída é apaziguá-los, na medida do que é possível, para proteger a nossa saúde mental. Deixar que o tempo os cure ou os deixe menos intoxicantes e se isso não acontecer... cortar os vínculos.

Era isso que eu tinha em mente sobre a relação com meu pai... estar no meio. Nunca quis excluí-lo da minha vida, mas não tinha mais forças para estar ao seu lado.

No início, ele mostrou que não estava disposto a entender... então minha mãe entrou com um processo de divórcio. Ela também não podia suportar mais toda a tensão de viver com ele, em todos esses anos se anulando, ela finalmente tinha chegado ao seu limite.

Fiquei feliz por minha mãe, e ela vinha tentando se aproximar, mas ainda levaria tempo até que eu baixasse a minha guarda, não havia como esquecer tudo que tinha acontecido até chegarmos a aquele ponto, mesmo que eu quisesse deixar todas aquelas lembranças para trás.

Meu pai viu todas as coisas que estavam acontecendo como alguma espécie de motim momentâneo, mas a medida que tudo foi ficando real, real demais, ele começou a demonstrar sinais de que estava com medo de nos perder... O que ele não sabia é que tinha perdido cada um de nós há muito tempo.

Eu não o odiava... odiava o que ele me fazia sentir, odiava como ele se sentia sobre mim, odiava como ele tinha feito eu me sentir sobre mim mesmo por muito tempo. E mesmo depois de uma longa conversa que nós quatro decidimos ter, uma conversa verdadeira depois de tanto tempo, ainda não consegui me livrar daquele sentimento, talvez nunca conseguisse. Talvez ele se tornasse uma cicatriz, indolor mas estaria ali sempre me lembrando de algo que me feriu no passado.

Optamos por uma trégua, meu pai decidiu tentar entender e eu meio que saquei tardiamente que o que ele pensava sobre mim não tinha mais tanta importância, foi como me livrar de um fardo que há muito tempo vinha me pressionando meu rosto contra o chão, tapando qualquer visão do céu e... sendo sincero, foi bom ver o céu de novo.

Faríamos o máximo para nos relacionarmos o mais civilizadamente possível dali em diante e o mais importante de tudo é que ele não tinha mais o controle.

O mais impressionante de toda essa história, para mim, ainda era que em Seul havia uma população de aproximadamente 10 milhões de pessoas, número próximo de habitantes de cidades como Nova Iorque, por exemplo, era tanta gente que eu não conseguia nem mesmo dimensionar mentalmente... e ainda assim, uma das poucas, nesse mar de pessoas que conhecia meu pai e a mim, foi quem me viu com Jimin na sorveteria, quando tivemos nosso primeiro encontro. Infelizmente, não estava paranóico quando senti que estávamos sendo observados realmente tinha alguém nos vendo, um dos colegas de trabalho do meu pai e meu também.

Eu conseguia visualizar muito bem, Dong-Yul se aproximando e contando ao meu pai e em seguida ele se enfurecendo voltando para casa mais cedo que o normal, indo até meu quarto e encontrando um livro que falava sobre um garoto se descobrindo gay.

Um grande combo de coincidências infelizes seguidas.

Imaginei se ele tinha acreditado em Dong-Yul assim que ele contou ou se descobrir algumas coisas em meu quarto é que tinham se tornado as provas incontestáveis, mas de verdade não importava mais, não quando sua primeira reação tinha sido destruir tudo e levar uma parte de mim no processo.

Cartas para ninguém ↝jikook←Onde histórias criam vida. Descubra agora