V. Encontros do destino

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"Em nossas vidas, a mudança é inevitável. A perda é inevitável. A felicidade reside na nossa adaptabilidade em sobreviver a tudo de ruim."

Buda


As nuvens muito brancas cortavam o céu que aos poucos abandonava o tom róseo, abrindo espaço para o azul. Os primeiros raios de sol adentravam o quarto, arrastando-se preguiçosamente pelos metros que separavam a janela da cama para assim cumprir sua missão de acordar o seu ocupante. Isto é, se ele a estivesse ocupando. Além da habitual música clássica, o som do digitar furioso preenchia o ambiente. Haviam papéis espalhados, colados nas paredes, interligados com linhas vermelhas e entrecortados por várias fotografias granuladas.

O ocupante do quarto tinha os olhos vidrados na tela, devorando as palavras como se necessitasse delas para viver. Sua concentração era tanta que sequer notou o momento em que Izuku pulou do seu esconderijo no guarda-roupa e parou para olhar ao redor, confuso. Atravessou o quarto e pairou ao lado de Shouto que parecia alheio a sua presença, bem como ao restante do mundo.

Emburrado, Izuku deu a volta na escrivaninha e atravessou a tela, surgindo subitamente na frente do garoto como, bem, um fantasma. Shouto recuou de repente e encarou o olhar de censura que ele lhe lançava, piscando para a claridade repentina que invadia o quarto, só então se dando conta de que havia amanhecido.

— Você acordou. – Tecnicamente, fantasmas não dormiam, mas Shouto não sabia ainda como rotular o que acontecia sempre que ele entrava em seu guarda roupa.

Izuku balançou a cabeça e apontou da cama quase intocada para o verdadeiro antro de papéis que sua parede havia se tornado, fechando os olhos e colocando as mãos unidas sobre a cabeça inclinada. Talvez Shouto estivesse ficando bom em adivinhar essas mímicas ou era óbvio demais pelas olheiras fundas em seu rosto refletido pela tela, mas o fato é que ele sabia que o fantasma perguntava se ele havia dormido.

— Por que perguntar se você já sabe a resposta? – resmungou, de repente mal-humorado. Dado o que sabia do garoto, ele podia muito bem apostar que uma bela bronca estava a caminho e quase agradeceu pelo fato de não conseguir ouvir o que dizia. No entanto, para sua surpresa, Midoriya sorriu de um modo cúmplice e travesso. Shouto o encarou, estarrecido. — O quê? Sem discursos sobre como isso faz mal para a minha saúde ou como tomar tanto café a noite afeta o meu sono? Nenhuma bronca ou olhares de censura?

O fantasma estremeceu ao ouvir a palavra café sendo dita e lhe lançou um olhar saudoso. De algum modo, Shouto entendeu que ele sentia falta da bebida e, a ausência de uma bronca somada àquele sorrisinho, foi o suficiente para ele chutar com uma boa margem de certeza que passar noites em claro não era algo comum apenas para si. Não conseguiu evitar, aquele pequeno fragmento de informação sobre o outro preencheu seu peito com um sentimento quente, era uma prova de que ele havia estado ali, ocupado aquele mundo, que tinha preferências e hábitos ruins como qualquer outro. Em meio a névoa de cansaço que tomava seu corpo, ele sorriu.

O despertador ao lado da cama tocou nesse exato minuto, atrapalhando o momento de cumplicidade e dissipando o sentimento cálido que florescia em seu peito sem permissão. Izuku pulou no mesmo lugar e arregalou o olho ao conferir a hora, abanando as mãos em um claro comando para que Shouto se apressasse ou iria se atrasar. Lançando um último olhar para a parede repleta de informações, ele saltou da cadeira e se dirigiu até o banheiro.

O garoto tomou um banho rápido, arrumou suas coisas ainda espalhadas pela escrivaninha e vestiu o uniforme, enrolando o cachecol no pescoço, sentindo pela primeira vez em muito tempo um certo calor envolvê-lo. Desceu as escadas e encontrou a cozinha vazia. Sua mãe de certo já havia saído para trabalhar e Fuyumi dissera que passaria a noite na casa de uma colega para estudar para uma importante prova final que se aproximava. Ele não se importou, já estava habituado a ficar sozinho.

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