IX. Ponto de ruptura

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Atenção: este capítulo contém uma cena de menção a mutilação e tortura. Se for sensível a esse tipo de tema, por favor, não leia.

"Pela primeira vez saboreei a morte. Tinha um gosto amargo. Pois a morte é nascimento, é angustia e medo ante uma renovação aterradora. "

Hermann Hesse

Com as mãos enroladas nos fios escuros do cabelo bagunçado, Aizawa caminhava de uma ponta a outra da pequena sala em um raro momento nervoso. Sentado na cadeira, com as pernas jogadas sobre a mesa, Hizashi observava o outro perguntando-se se fizera a coisa certa em contar para ele o acontecimento mais recente. Ele baixou os olhos para a evidência que corroborava suas palavras: um cachecol de aparência gasta e desbotada. Mais especificamente o mesmo cachecol que Aizawa entregara a Todoroki Shouto dias atrás.

- Talvez você devesse se acalmar um pouco, Shouta. Seu coração já não é mais o mesmo que antes.

- Sabe que eu não posso, Zashi. Não quando tudo está acontecendo de novo bem diante dos meus olhos e eu continuo aqui sem poder fazer absolutamente nada a não ser aguardar.

Hizashi sabia, é claro. Mas saber não significava que ele gostava de ver o amigo de longa data naquela situação. Ele estudou as olheiras escuras e marcadas em bolsas sob os olhos e o tom pálido da pele, tendo a certeza de que ele não havia comido nada decente, além de café - amargo e forte, se o conhecia bem (e ele conhecia) -, desde o instante que fora informado. Suspirando, ele abandonou a cadeira na qual estava sentado e agarrou os ombros de Aizawa, virando-o de modo que pudesse olhar bem fundo em seus olhos.

- E você se matar de fome e privação de sono não vai ajudar em nada. - Aizawa nada respondeu. Ele sabia reconhecer nos olhos verdes do outro quando o que ele dizia era sério. Por isso, não ofereceu resistência enquanto ele o arrastava para a cadeira desocupada e o forçava a sentar. - Agora você vai me esperar aqui enquanto eu arrumo alguma coisa com muitas calorias nessa espelunca que eles chamam de delegacia e quando Tensei chegar nós continuaremos essa conversa, entendeu?

Shouta assentiu. Ele não tinha energia ou vontade suficiente para discutir com Hizashi naquele momento. O loiro deu um último aperto de apoio em seu ombro e saiu porta afora em busca de comida. Aizawa afundou a cabeça nos braços e fechou os olhos por apenas um instante, o cansaço emanando como uma onda por cada célula de seu corpo. Não fazia muito tempo desde a última vez que havia sido convocado para aquela sala a qual não tinha a mínima pretensão de ver novamente. Porém, é claro, o destino não lhe seria tão bondoso assim e lá estava outra vez, recebendo mais uma notícia de desaparecimento de outro aluno, sentindo nas mãos o tecido do cachecol emprestado, enquanto tudo o que podia fazer era sentar e esperar. Era como estar de volta aos dias de preocupação com o filho. Seis meses não era muito tempo para digerir e se acostumar ao fato de que ele nunca mais voltaria para casa, nunca mais o acordaria com uma xícara de café forte ou colocaria um cobertor sobre si nas noites que dormia sobre as avaliações e notas dos alunos. A dor despontou em seu peito junto a frustração. Mas o que ele poderia fazer?

Aizawa sentia como se estivesse parado no limiar de um mesmo acontecimento. Ele via as luzes vermelhas e azuis alternadas, os intermináveis interrogatórios e a espera infindável que era a pior parte, pois trazia consigo a sensação aterradora de impotência e inutilidade. Para que, afinal, servia um pai que sequer podia proteger suas crianças?

Quando a notícia chegou naquela época e o desaparecimento de Shinsou foi oficialmente anunciado, seu controle precariamente mantido se quebrou. Mic estava lá - Aizawa o havia chamado para que este realizasse uma investigação informal, uma vez que Hizashi era um detetive experiente com uma boa carga de casos solucionados e uma maior ainda de horrores presenciados, já que a polícia se mostrava relutante em divulgar informações e o grupo de busca continuava a não apresentar resultados.

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