Segunda parte

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As folhas alaranjadas esvoaçavam mortas para longe de seus galhos, levadas pelo frio dos ventos setembrinos que se punham cada vez mais fortes e penetrantes ao decorrer dos dias, num assovio que tinia agudo aos ouvidos de quem os presenciasse, como ChanYeol estava a fazer, naquele dia tão incomum no qual decidira retirar-se do interior do sanatório para respirar algum ar vindo de fora, o qual não era tão denso como no interior daquele lugar.
O rapaz estava sentado em algum dos cantos do enorme terreno gramado que envolvia a gigantesca construção na qual habitava, sentindo o vento transpassar por seu ser, fazendo com que suas madeixas se tornassem desordenadas ao passar de cada corrente de ar, as quais, com gentileza, tratavam de levar junto de suas brisas os pensamentos perturbados do pobre paciente.
Havia se passado uma semana desde o episódio aterrador que fora presenciar o surto de GuoZhi.
E aquela semana houvera sido conturbada para si e repleta de pesadelos. Mas não em seus sonhos.
Dois dias depois daquele episódio, o Park tentara espairecer os pensamentos, como fazia naquele momento, e direcionou-se ao jardim que o sanatório possuía ao lado de fora, deparando-se com Oh SeHun sentado em um dos bancos que o local abrigava, no qual o castanho também se sentou.
Conseguira até mesmo arrancar algumas palavras do mais novo, que resultaram num pequeno dialogo, nada muito sério, nem mesmo que SeHun estava a dar muita atenção. E ali, o mais velho passou alguns bons minutos, antes de decidir se retirar e voltar para o lado de dentro, mas antes que pudesse cumprir tal ação, sua atenção voltou a SeHun, que uma música se pôs a cantarolar serenamente em voz baixa, de forma inocente, com sua atenção nas diversas flores mortas do lugar.
-Eu vi um homem torto que andava sem parar. Achou uma moeda e a sorte viu chegar~ Comprou um gato torto que um rato foi caçar. Em sua casa torta, todos juntos vão morar~
Na mesma noite, não conseguiu dormir, graças a Zitao, que se pôs a chorar sofridamente.
Também houve o episódio onde JongIn lhe agarrara o braço, levando-lhe para um canto isolado e implorando por ajuda, dizendo que ele queria matá-lo, e logo em seguida, correndo do lugar.
De fato, tudo parecia colaborar para deteriorar cada vez mais o quadro de pânico do Park, que já não era capaz de passar um minuto sequer sem sentir-se amedrontado e completamente vulnerável.
Mas ChanYeol tentava livrar-se das cenas que presenciara com tanto fervor. Queria – tentar – aproveitar aquele dia de alguma forma, afinal, era domingo. Não que fizesse qualquer diferença para o paciente, já que seus dias eram todos iguais, mas, domingo era o dia em que as pessoas saiam de suas casas, elegantes, e dirigiam-se até as igrejas, agradecer por aquilo que tinham; domingo era o dia em que as famílias se reuniam para almoçar em conjunto; era o dia em que namorados iam ao cinema juntos mas sequer se davam o trabalho de prestar atenção no filme. Domingo, aos olhos do Park, parecia um dia em que todos no mundo pareciam estar felizes, então, o castanho se sentava ao lado de fora do sanatório na esperança de que os ventos trouxessem a si um pouco daquela felicidade.
Chanyeol observava, de maneira dispersa, as grades que se estendiam, altas e defensoras, ao redor das dependências do manicômio, a qual encarava-lhe de volta como que num lembrete silencioso de que ela estava ali para que dali o homem nunca saísse.
As árvores que se levantavam por detrás das grades, no terreno que já não pertencia ao sanatório, barulhentas e repletas de inquietude, sendo empurradas pelos ventos agitados, faziam ao Park uma certa sinfonia, a qual ele escutava com apreciação no seu próprio silêncio.
Estava exausto.
Mais do que tudo, ChanYeol estava assustado. Não sabia mais no que acreditar, e não sabia ao certo o que temia.
Não deixava de ligar todos os acontecimentos que estavam a ocorrer no hospital psiquiátrico ao bendito bilhete que recebera uma semana atrás. O qual, junto de Wang GuoZhi, lhe arrancaram o pouco sono que poderia estar abrigado em si.
Os dias dentro do sanatório, mais do que nunca, estavam tomando-lhe a consciência de uma maneira nociva.
ChanYeol correu o olhar pelo grandioso sanatório, incerto do que buscava.
Passou a observar atentamente cada uma das centenas de janelas daquele lugar e, ocasionalmente, os olhos do Park encontraram-se com Do KyungSoo.
Por uma das grandiosas janelas, pôde vê-lo com certa inquietude no olhar e aparentemente estava a buscar algo de maneira quase que desesperada.
Mas não era aquela a janela da sala de funcionários? ChanYeol estava certo que sim.
O que o moreno fazia ali?
Por algum motivo implícito, o Park viu-se curioso de certa forma, questionando-se o que aquele homem estava a fazer em um lugar que não era permitido a entrada de paciente algum.
Foi então que, tentado pela curiosidade, o castanho levantou-se do gramado e em passos ágeis, dirigiu-se ao interior do sanatório.
Ao adentrar, pôde ver alguns poucos profissionais, distraídos o suficiente para sequer darem importância a aparição repentina do rapaz.
ChanYeol andarilhou até a escada, tratando de subir até o terceiro andar, onde se encontrava a sala de funcionários.
Chegando ao terceiro piso, um tanto eufórico graças a grande velocidade com qual subira os diversos degraus das escadarias, foi rápido em avistar KyungSoo retirando-se de maneira quase que imperceptível da tal sala e dirigindo-se ao lado contrário de onde o castanho estava.
O Park foi de maneira apressada em direção ao Do, segurando-o pelo pulso e arrependendo-se no segundo seguinte, ao receber um olhar violento do paciente mais baixo. Nem mesmo sabia ao certo o que estava fazendo.
-Se encostar em mim outra vez, eu te mato. - A voz grave do moreno, a qual o maior jurava escutar pela primeira vez, não soou nem um pouco contente.
KyungSoo virou-se no mesmo momento no intuito de retirar-se logo dali, mas a voz de ChanYeol reverberou antes.
-O que fazia lá dentro? - Indagou com a voz baixa e insegura. Chegava a ser engraçado o fato do castanho possuir uma voz tão forte quanto a do menor e ainda assim, sempre soar tão indefeso.
Não sabia de onde tirara tanta coragem para questionar alguma atitude daquele homem.
-Não é da sua conta. - KyungSoo quase rosnou ao maior, disposto a virar-se mais uma vez para partir. Mas antes que pudesse fazê-lo, o Park notou o objeto escondido em suas mãos.
-Você... roubou as chaves? - Questionou o maior, notando que o outro possuía em mãos o molho que era composto por – quase – todas as chaves daquele sanatório. -Eu não vou contar. - A voz do castanho soou mais baixa. -Apenas quero entender...
-Entender o que? - O Do parecia nunca baixar a guarda, estando sempre na defensiva.
-Você. - Park respondeu, fazendo a feição do menor ser amaciada em estranheza. -O que vai fazer?
-Já disse. Não te devo nada.
-Pretende fugir? - De alguma maneira, KyungSoo viu um brilho esperançoso no olhar do castanho.
-Não pretendo ficar aqui por muito tempo. - Admitiu o mais novo, rendendo-se a dar atenção ao maior, direcionando-se até o mesmo para encarar-lhe nos olhos. -Tem algo muito errado acontecendo nesse lugar. - Disse ao mais velho, quase que num sussurro. -E dessa vez, eu tenho certeza que não é coisa da minha cabeça.
ChanYeol sentiu seu coração sofrer um solavanco.
Cada vez mais, tudo colaborava para concretizar seus maiores medos sobre tudo que estava a ocorrer.
No que o castanho tratou de abrir seus lábios na tentativa de sibilar qualquer resposta que fosse, foi interrompido por um baque surdo que ressoou por todo o andar, atraindo a atenção dos dois.
KyungSoo não esperou para enfiar as chaves no bolso e andarilhar em direção ao som no intuito de verificar o que o causara, tendo prontamente ChanYeol em seu encalço.
Os rapazes não tiveram de percorrer um longo caminho para se depararem com um corpo em crise convulsiva sobre o piso, logo ali, diante dos dois.
Kim JongIn colidia violentamente sua cabeça no assoalho enquanto espumava pelos lábios fartos, incapaz de controlar o próprio corpo, enquanto o olhar parecia possuir um estranho pavor.
O Do não fez muito mais do que atirar um olhar sério para o Park, quase que dizendo que a imagem diante deles estava ali apenas para comprovar sua última fala, retirando-se apressadamente logo em seguida, sem preocupar-se com o homem que convulsionava violentamente bem em frente de si, como se soubesse o fim que aquilo teria e que não seria capaz de fazer nada para evitar.
O reflexo do Park foi simplesmente correr até JongIn, ajoelhar-se ao lado do corpo do mesmo, colocar as mãos sobre a cabeça do Kim e gritar estridente e desesperadamente por MinSeok e BaekHyun.
A angústia percorria amargamente pelas veias de ChanYeol, que não podia fazer mais do que assistir angustiantemente os olhos de JongIn se revirarem no crânio, oscilantes entre inconsciência e um horror quase que imperceptível; os dedos se contorcerem; o corpo agressivamente tiritante.
O Park era incapaz de fazer outra coisa que não fosse ser apenas um expectador posicionado no melhor assento para presenciar o maior show de desespero e sofrimento.
Minseok chegou primeiro por, aparentemente, estar pelos arredores, o qual tratou de chamar imediatamente o Byun e alguns outros poucos profissionais para lhe auxiliarem naquela situação.
A partir dali, o ambiente resumiu-se em pranto e gritos esganiçados dos enfermeiros que mandavam esbravecidamente o Park sair dali e ir para seu quarto, o que demorou um pouco para acontecer graças ao choque e pavor que pareceram paralisar suas pernas, como sempre acontecia quando ChanYeol via-se diante de algum cenário amedrontador. Não era capaz de lidar com o mínimo teor de medo, tornando-se um garoto apavorado de quatorze anos novamente, completamente incapaz.
Os enfermeiros trataram de fazer o possível para acudir Kim JongIn daquela convulsão repentina.


Naquela mesma tarde, o décimo terceiro saco para óbito foi retirado do Chilyohada State Hospital.


¨Suicídio por envenenamento¨.

↢ ❦ ↣


MinSeok encontrou o Park encolhido no canto de seu quarto, engolido pela quase escuridão do mesmo – graças as cortinas fechadas -, com o olhar direcionado a um canto qualquer, totalmente disperso da realidade a sua volta.
Sua feição era de sofrimento e seu semblante, vulnerável. Perecia a parte do mundo real, torturado silenciosamente pelos seus pensamentos e memórias.
-ChanYeol? - Chamou o Kim, vendo o maior prosseguir absorto do que acontecia fora de sua mente.
O mais velho caminhou sutilmente até o outro, agachando-se diante de si e lhe olhando nos olhos.
Foi preciso que o Kim o chamasse por mais duas vezes pelo menos, até que o mesmo tirasse seu olhar daquele ponto fixo e o direcionasse até os olhos escuros do enfermeiro, sem sequer mover-se.
-Fala comigo, por favor.
O Park pareceu perceber por fim que estava seguro ao lado do Kim e que poderia sair de seu estado defensivo, esticando suas pernas ao sentar-se de uma maneira menos tensa e contraída, possibilitando o enfermeiro de ver a mancha úmida presente por entre suas pernas no tecido da calça, fazendo o mais velho voltar o olhar para seu rosto com certa tristeza.
Ver ChanYeol daquela maneira lhe doía demais, mas naquela vez em específico, pareceu destruí-lo.
-Você precisa de um banho. Vamos limpar isso. - Falou o menor, segurando as mãos gélidas do Park, o auxiliando a levantar-se, o que pareceu ter dificuldade em fazer. Deveria estar sentado naquela mesma posição a horas, completamente estático, matutando o acontecimento de mais cedo.
Ainda de mãos dadas, MinSeok levou o castanho para o banheiro, que estava vazio, o que não era surpresa já que depois do episódio daquele dia, os pacientes foram instruídos a ficarem em seus quartos.
Se direcionaram até uma das várias duchas meia boca que o lugar possuía, onde o Kim tratou de amparar o mais novo na retirada de suas vestes e também durante todo o momento o banho.
ChanYeol parecia limitado ao silêncio. Sequer se movia direito. Parecia fora da realidade.
A primeira fala que finalmente saiu de seus lábios foi quando o de madeixas avermelhadas tratava de passar shampoo em seus cabelos amendoados, com toda a delicadeza e carinho possível.
-Eu não consegui. - Sussurrou o maior. -Eu não consegui outra vez.
-O que?
-Ajudar. - Contou. - Não pude ajudar JongIn assim como não fui capaz de ajudar meus pais...
MinSeok parou com o ato de ensaboar os fios do paciente no mesmo momento, segurando o rosto magro do rapaz para olhá-lo devidamente.
-ChanYeol, o que aconteceu não foi culpa sua. - Disse com firmeza. -Você não podia fazer nada, você era apenas um garoto de quatorze anos. Era uma criança.
-E parece que nunca deixei de ser. - Franziu o cenho entristecido, retirando o rosto do segurar do mais velho. -Eu não consigo fazer nada. Eu sempre sinto medo. Eu paraliso, eu choro, eu tremo, eu apago. São as únicas coisas que eu consigo fazer. Parece que eu parei nos sentimentos daquele dia e nunca mais fui capaz de tirar eles de mim. Todos os dias eu vivo o pavor daquele dia. Qualquer coisa me leva de volta para aquela lembrança. Qualquer ínfima coisa.
-Isso também não é sua culpa. É uma questão de saúde, ChanYeol. Você sofreu um trauma muito grande que te deixou sequelas. - Falou MinSeok, passando a mão levemente sobre o rosto do outro, desejando transpassar carinho ou serenidade, não sabia ao certo, deixando um pequeno rastro de espuma ali - não que qualquer um dos dois se importasse verdadeiramente com aquilo.
Após alguns segundos simplórios de silêncio e estagnação, o Park não pensou muito, apenas enlaçou o menor pelos ombros e o trouxe para si, abrigando-o num secreto medo de perdê-lo, como se aquilo fosse capaz de impedir que um dia o Kim o deixasse.
Sequer ponderou devidamente o fato de que MinSeok teria suas roupas banhadas pela água do chuveiro. Mas o enfermeiro também não importou-se devidamente com aquilo e apenas entregou-se ao contato que o maior começara. Não tinha muito com que se preocupar quando possuía novas vestes guardadas em seu pequeno e fajuto armário na sala de funcionários.
-Eu vou sempre te proteger.
-Você não pode prometer isso.
-É, eu não posso. Mas estou fazendo ainda assim.

O Homem TortoOnde histórias criam vida. Descubra agora