LENDA URBANA

Cabeça De Ouro

É uma questão de justiça, porque eu nasci primeiro, não importa se ele veio trinta minutos depois, eu nasci primeiro, e não é justo que seja ele a possuir a cabeça de ouro. Meu pai dizia sempre que os mais sábios são os dominadores do mundo, e é a ele que chamam sábio! Por quê? Isso supõe que eu é que serei o dominado? Nunca!

Diz à ciência que existem milhões de vidas no sêmen, e para mim é sempre intrigante o facto de apenas uma chegar ao óvulo. Como possível? Morrem milhares e só apenas um! Por quê? Os sociólogos defendem que isso faz de nós vencedores, eu acho que faz de nós assassinos, mas essa é outra história, de qualquer forma somos vencedores, deve ter havido uma batalha e nós que hoje andamos pelas ruas com lágrimas e sorrisos, tivemos de matar todo resto dos nossos irmãos na jornada até ao que podemos chamar de paraíso ventril.

No ventre abençoado da senhora Claudete Massaique houve um empate, foram dois vencedores que cruzaram a meta até ao paraíso ventril e passaram a partilhar momentos que pelo choro ao nascimento parece que foi feliz contrário ao mundo que passariam a viver, o Jamba o mais novo acreditava na humanidade e sempre achou que ela tinha mais para mostrar do que todo esse terror e desastres, então formou-se em filosofia no Brasil faculdade que o pai pagara quando estava em vida, Sr Edmilson Rodrigues o causador das contendas entre os irmãos, na verdade é tudo fruto de um mal entendido, que aos olhos do Ngueve o irmão mais velho era tudo menos isso. Por que tinha de ser ele a ser chamado assim? (Ngueve) Sendo que a tradição exigia o contrário, isso não é justo! - gritava. Quanto ao nome o pai explicara que não conhecia bem os costumes da tradição e enganou-se ao nomeá-los, o Jamba seria Ngueve por ser ele o menor e o Ngueve seria Jamba, mas não está nisto o maior problema. Tudo começou quando os dois entenderam através dos ensinamentos do pai as riquezas da sabedoria, de como a mesma valia mais que qualquer tesouro, que nem o mais rico em dinheiro chega aos pés de um homem que possui a cabeça de ouro. O pai contava-lhes a história do rei Salomão que pedindo sabedoria tivera pedido tudo, pois o Senhor agradou-se com o seu pedido e deu-lhe muito mais, a título de exemplo: ter sabedoria é ter riqueza e o homem que chega a riqueza sem sabedoria perde-se nela, pois a muita riqueza lhe servirá para a perdição. Sr Rodrigues era um homem de grandes ciências, gênio e sábio; e os gémeos ostentavam chegar ao mesmo patamar, ser como o pai era o que eles mais ambicionavam, até o mais velho curvar os olhares para o dinheiro. Valores monetários cobriram todos os seus valores e deixou-se persuadir pela ganância. Tudo que possuía era fruto de fraude, artimanhas e roubos, por que chegara a tal ponto? Dizia que estava cansado de peregrinar até a riqueza pela estrada da ciência e do conhecimento, preferindo o atalho que considerava ser uma atitude sábia, meu pai teria muito orgulho de mim - pensava. Olhando para o homem que se tornara. Orgulho nada! - gritava. Ele só tinha os olhos para o Jamba. Lembrava com raiva todos os elogios que o pai proferia ao irmão que desde criança sempre se mostrou melhor e mais estimulado intelectualmente, o pai que não poupava elogios engordava cada vez mais o ódio do filho mais velho fazendo com que ele passasse a detestar seu próprio irmão e irmão gêmeo.

O ódio teve iniciativas mais remotas contava a senhora Claudete que era casada com o Sr Rodrigues apenas de tradição, ele apesar de ser ocidental português de pais portugueses, "como gostava de referir" amou a ideia de casar cumprindo só com as exigências tradicionais e familiares, dizia ele ser um casamento mais bibliocêntrico em relação ao que se vê nos templos, não houve nenhuma autoridade sacerdotal ou apostólica que tenha realizado uma cerimónia de casamento, e não temos ordens bíblicas para isso, eu vos declaro marido e mulher, tem piada! Por isso há muitos divórcios - Dizia.

Fora a tudo isso, o que queria contar-vos é o que a senhora Claudete não se cansava de dizer quando via a triste situação de rato e gato entre os irmãos, dizia ela que lhe acontecia quase uma terceira guerra mundial no ventre, eram chutes a todo o momento nunca se viu bebés que balançavam tanto a barriga e olhando para eles agora pode dizer-se que eram mesmo golpes de luta, tanto que só o Jamba veio chorando quando nasceram. Contava também que quando ainda os amamentava o Ngueve chorava para ir ao lado onde estava o Jamba, e quando trocavam-lhe gritava aos mil ventos para voltar onde estava, suas amigas duvidavam de tal história e ela chamava seu esposo para confirmar sempre que via elas balançando a língua, Sr Rodrigues não gastava esforços e apenas dizia: O justo não se justifica! - gritava ele a distância olhando apenas pela janela da varanda que passou lá a maior parte do tempo nos seus últimos dias, a mãe viveu até certo tempo e morreu após o Jamba ter doutorado ainda jovem com apenas 25 anos, mas a escola para ele foi apenas para cumprir formulário porque nenhum nível acadêmico se ajustava a ele e os professores sentiam que eles é que deviam estar sentados na carteira para aprender com o Jamba. Já o mais velho não chegou a terminar a licenciatura tendo desistido da monografia no ano em que o pai morrera, a dor dilacerou os sentidos e vendo a brevidade da vida concluiu que a ciência e os estudos eram caminhos longos para alcançar a riqueza que tanto desejava, então foi atrás não do pão de cada dia isso ele já tinha, mas das Mercedes de cada dia (como gostava de chamar), que conseguiu com o tempo, neste tempo que vos conto agora, ele tornou-se o homem mais ricos da Lunda-sul, tinha sua própria mina de Diamantes e comprava de outros exploradores, suas Mercedes de cada dia enfeitam a garagem com mais outros amiguinhos, sua casa parece um desses castelos da Disney e dizem às bocas que não se calam que para tal o mesmo sacrificara os filhos que nunca teve, como que infertilizou-se em forma de pacto para ter tudo que possuía, o que dizem não é indubitável, mas explica muito porque no tocante a sabedoria é considerado um homem néscio diante de todos, contrário ao irmão que era admirado por sua magnifica mente e sabedoria, no ensino médio os professores sentiram a necessidade de passá-lo logo para a faculdade, apelaram para a direção provincial da educação, comunicaram que tinham um estudante que era mais sábio que a biblioteca da escola, mas as grades do sistema impediram a concretização deste desejo e disseram que ele tinha de passar por todas as classes como qualquer garoto normal, mas ele não era. No Brasil também foi reconhecida a sua genialidade, tanto que o governo federal brasileiro ofereceu-lhe uma bolsa de mestrado estando ele apenas no segundo ano de licenciatura, foi submetido a provas dos anos restantes e realizou-as todas com êxito, então lhe ofereceram emprego e nacionalidade e tinha de morar no Brasil o resto de sua vida, mas ele negou tudo e disse que tinha de voltar para Angola e ajudar o seu país a crescer. Voltou sim para Angola como era seu desejo e ajudava o pessoal do governo quando viam-se na escuridão de ideias, era o ideólogo mais respeitado da cidade, já proporcionou soluções sobre a diversificação da economia e métodos viáveis para o fomento da agricultura no país, lembrando as terras férteis de Mona-Kimbundo para a produção de arroz e outros diversos produtos, e não só essas terras o país em si, lembra uma viúva com dezoitos filhos.