Quarto Minguante II

36 10 2
                                    

Pager o ancião da aldeia, estava relutante ao deixar que a força do evangelho moldasse o seu coração, a que se deve essa relutância? - perguntou o senhor Donald. Vocês falam de perdão - respondeu o velho homem. O que tem o perdão? – Perguntou. Sem perceber o mal que tinha em um bem tão valioso. Para ele perdoar sempre foi um dos melhores remédios da alma, diz ele sempre que quem perdoa liberta-se para uma nova vida, mas o velho índio parecia não querer se libertar, na verdade queria, mas dizia ter coisas em sua vida que não eram possíveis perdoar, ele perdoaria os gafanhotos que comeram a sua plantação, perdoaria o “espiro de javali” que governava seu filho, mas nem ele, nem a sua aldeia poderiam já mais perdoar Robert Cage o homem branco que seu irmão encontrara inconsciente no meio da floresta, o homem era das forças aéreas britânicas e disse ser fruto de uma conspiração, seus colegas armaram para ele e o queriam vê-lo morto, por isso o jogaram para fora do avião a pilhas de altitude e sobreviveu por causa do colete paraquedas que tinha consigo, mas as arvores impediram uma boa aterrissagem, então bateu com a cabeça e ficou inconsciente. Grande historia! Mas é apenas o que precisou contar para se infiltrar na aldeia, estudar suas fraquezas, e os entregar nas mãos dos Gundos outro povo indígena e canibal, que tinham o sol e a lua como divindade e faziam sacrifícios humanos para prosperarem em diversas áreas da vida, até para resolverem problemas de fertilidade dependiam disto, e como acreditavam o sangue humano era indispensável para o efeito.

 O homem branco pertencia a este povo indígena, quem iria desconfiar um homem branco indígena! Era o disfarce perfeito, mas eu desconfiei que houvesse mais algo nesta historia, e o Pager explicou-nos que eles tinham a família do Cage em custodia e ele tinha de fazer o que fez para voltar a vê-los vivos, - Mas não justifica! – gritou o ancião da aldeia. Eu passei a ficar dividido e pensei se faria o mesmo pela minha família situações como essas desafiam os nossos maiores instintos, isso nos lembra da galinha que vence a covardia quando se trata de defender seus pintinhos, ou a leoa defendendo seus leõezinhos, até o crocodilo é manso quando se trata de suas crias, e o cachorro bobo torna-se feroz ao cuidar de seus cachorrinhos, levar uma aldeia à morte para salvar minha pequena família, fiquei pensado… Será que seria capaz?  Talvez Robert Cage tivesse agido como muitos agiriam, mas isso não aplaca a ira de Pager já lá se foram cinquenta e quatro anos e nada do que se passou naquele dia esteve ausente na sua memória, seu coração estava cheio de ódio e revolta, seria um pecado perdoar o homem que lhes causara tanto mal – disse ele enquanto conversávamos. E foi nos contando tudo que se passou naquele dia, pois ninguém esquece a imagem de seu próprio pai sendo esfaqueado no peito, no lado esquerdo do peito – Indicou com o dedo como se quisesse furar-se também. Do outro lado estava seu irmão mais velho sendo amarrado como um animal qualquer, seu irmão o maior guerreiro da aldeia, um caçador ágil e sutil, homem de bravura e força, sua grande inspiração, sendo amarrado por um homem que ele considerou amigo durante três anos, três anos de grande amizade, caçadas e uma vida juntos - porque nos ensinou a falar inglês se a posterior nos levaria ao matadouro? – pergunta-se o ancião da aldeia se contorcendo no ódio. Em meio a aquela toda fúria o homem estremeceu o corpo antes de explodir no lamento: Eu tentei! – gritou ele com lágrimas nos olhos e voltou a explicar: apareceu um homem que me deu uma madeirada na testa, eu tinha apenas doze anos, e eles não tiveram piedade, e quando despertei já estavam nos barcos, homens e mulheres e foram levados ao matadouro, para serem sacrificados sem piedade, saí correndo até a praia, mas como poderia alcançá-los? Se fosse um tubarão talvez, só apenas um homem e era apenas uma criança a única de doze anos que ficou na aldeia, ajoelhei a beira mar e vi minha nação sendo levada, então jurei vingança, as crianças crescem é a lei da natureza, e hoje podemos ter a nossa vingança, eu só o Pager testa aldeia, o filho legitimo do rei, o monarca que nasceu das cinzas, eu só a floresta, eu só a ilha, sou esta aldeia e a promessa que fiz de joelho hoje me levanto para concretizar, hei de honrar a memoria do meu pai e de todas as vidas sacrificadas, porque eu sou essa aldeia, e os sangues dos meus irmãos clamam por vingança, eu ouço seus gritos vindo de baixo da terra.

LENDA URBANAOnde histórias criam vida. Descubra agora