Capítulo Nove - O Velho e o Mar

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Señora, conte de novo aquela história ― a voz pediu animada por entre as risadas que ondulavam a brisa marinha e banhada com a luz fraca do lampião que oscilava com o balançar contínuo do navio.

― Outra vez? ― A mulher riu, afastando os cabelos do rosto e fitando com carinho os olhos brilhantes que insistiam em encará-la. Outra voz mais ao fundo berrou, achando graça da situação.

― Vamos, conte logo. Você sabe muito bem que é impossível negar algo a ela.

― Não seja assim! Que mal há em uma mera história?

― Elas deixam de ser interessantes depois da primeira vez.

A mulher de cabelos esbranquiçados no comando suspirou, já vendo os olhares trocados entre ambas as subordinadas e prevendo a tempestade que se formava ali, nas expressões animadas, a excitação que corria no sorriso da mulher de pele negra clara e olhos entusiasmados. Ela viu a segunda moça se arrastar para mais perto, num gesto de insistência, exibindo a teimosia típica de todos os seus filhos.

Muy bien, contarei. ― Desistiu ela, gesticulando com uma das mãos.

Todos os sussurros morreram ao som dessas palavras e os tripulantes se aproximaram da luz bruxuleante para ouvir melhor.

― Há muitos anos, várias e várias milhas mar adentro, existia um vale. Bom, não era um lugar grande. Estava mais para uma vilazinha no meio do nada. Oh, sim, sim, lembro bem. Era um vilarejo cortado por um lago. As pessoas costumavam atravessá-lo para encontrar a outra parte da vila. Existiam pessoas que se encontravam no meio do caminho, sabe? Porque era muito difícil fazer aquela travessia, já que, cada vez que alguém atravessava aquelas águas, virava alvo de burburinhos. Mas em geral eram pessoas simples, pescadores, artesãos... Não havia muito o que fazer ali, a não ser sobreviver com o pouco que tinham. Com trocas. E os pescadores trocavam peixe por arroz, os agricultores trocavam arroz por cobertores, os tecelões trocavam agasalhos por ornamentos. Era um estilo de vida pacífico.

"Mas como tudo o que é bom acaba, a época de seca chegou. O lago secou e os peixes se foram; a chuva não veio, então não tinha água para cultivar. Não havia mais arroz nem peixe, então as pessoas não tinham o que comer. ― Ela piscou algumas vezes, mudando o tapa-olho de posição. ― Só que existia algo estranho naquele vilarejo. Como todo bom pagão, eles faziam oferendas para sua deusa. Algumas culturas ofereciam comida, porém eles não tinham comida para oferecer. Outras ofereciam preces, mas eles estavam cansados demais para se ajoelhar no porto e implorar. Então, eles festejaram. E dançaram pela deusa. E sopraram as cantigas antigas pelo vento, com a esperança que aquilo chegasse à divindade a quem tanto pediam. Todavia, não chegou."

"Os dias foram se prolongando, e logo viraram meses. A esperança queimava em suas últimas fagulhas e eles já não sabiam o que fazer. O pouco que havia restado, esgotou-se. Apenas as folhas secas sobraram. Até que, em uma noite, o céu se iluminou em tons de verde e azul celeste. Para os moradores daquele local esquecido por todos, era um sinal de que as portas do céu estavam abertas, que seu tempo chegara ao fim."

"No entanto, contrariando o que achavam, suas vozes foram escutadas. Todas as suas preces silenciosas foram escutadas. A deusa não havia os abandonado. E do céu noturno pintado, desceram aos seus pés as mais belas estrelas, como recompensa por terem acreditado por tanto tempo, por terem esperado sem desistir. A deusa finalmente tinha os agraciado com seu mais belo presente. As estrelas, em suas mãos mundanas, perderam seu brilho, mas não o que mais existia de precioso nelas. Era como segurar almas humanas nas palmas das mãos."

A mulher engoliu em seco, sacando, de um dos bolsos, o seu leque. A noite vazia estava incrivelmente calorosa. E aquela história sempre espantava o frio para longe. O leque em detalhes marrons tinha um brilho fosco em sua metade e lançava breves gotas de brisa contra a pele de sua portadora. Ela suspirou mais uma vez antes de continuar:

Sete-EstreloOnde histórias criam vida. Descubra agora