"Nunca se pode confiar nas águas tempestuosas dos mares ao norte", aquela voz ainda estava em sua mente, como uma sombra das poucas memórias que tinha daquele momento. Foi a primeira e última vez que vira seu tio, o homem mais corajoso que um dia conheceu. O murmúrio dolorido ainda tamborilava em sua cabeça, junto com os roncos no chão de madeira daquele navio. No princípio, ele não havia acreditado, mesmo que tais palavras emanassem uma convicção advinda de muita experiência, mas horas já haviam se passado e o mundo parecia resumido ao balançar interminável e ao vai-e-vem das ondas contra o casco daquela embarcação, o que fazia com que seu estômago acompanhasse o ritmo e a cabeça rodasse com as ondas de náuseas que o acometiam.
Os dedos frios e incômodos da mulher ao seu lado ainda estavam parados no emaranhado de fios vermelhos de seu cabelo. Enquanto o menino de olhos miúdos e corpo franzino a abraçava, como se não pudesse soltá-la, como se necessitasse daquele agarre para sobreviver. E, do lado de fora dos vidros circulares e embaçados, a tempestade rugia, sem dar sinais de estar sequer perto de acabar. O garoto ainda podia ouvir aquele ruído abafado pelo som das ondas, os pés dos marinheiros sobre o chão inseguro daquela embarcação e o som desesperado que saía da boca da mulher que o segurava era apenas mais uma notificação de que as coisas não iam bem.
― Mama, eu estou com medo ― ele sussurrou, sentindo o tremor do corpo aumentar com o sair da sua voz.
― Shhh, não há o que temer, mi pequeño. ― Os braços apertaram ao redor dele quando um trovão estrondou lá fora e a boca do menino se fechou, assim como as pálpebras, apertadas uma na outra. ― Você ainda lembra da história que eu te contava para dormir quando pequeno? ― O garotinho assentiu, ainda sem abrir os olhos ou afrouxar o aperto em volta dela. ― E o que ela dizia? ― incentivou-o.
― Um pirata corajoso nunca abaixa a cabeça para algo tão pequeno como um trovão numa tempestade. Ele sobe aos céus e o enfrenta. ― A voz pausou por alguns instantes, incerta. ― Mas eu não sou alto o suficiente para alcançar o céu. E o mar... é assustador! Sinto como se as ondas fossem me engolir e os monstros fossem me puxar para as profundezas.
A mãe riu docemente e o puxou mais para si. Ali, no conforto seguro que eram seus braços, com o cheiro que tanto amava, ele sentiu o medo abrandar e o corpo começou a relaxar.
― Não tema o mar, mi amor, ele nunca leva aquilo que não pretende devolver.
E, como a maioria das coisas que marcam nossas vidas, essas palavras o acompanhariam pelo resto da sua.
⚙⚙⚙
Reprimendas realmente não eram de seu agrado. Mas o que poderia dizer quando não deixavam um sabor bom na boca de qualquer um que as levasse? No caso de Shouto, ele as odiava. Odiava as marcas deixadas em seu corpo, odiava o ardor de cada pancada, de cada ferida. Odiava o fogo que tomava seu peito, como um incentivo para que revidasse. Mas não podia, sabia que não podia.
Suas costas reclamavam, doloridas pelo castigo do dia anterior. Era verdade que o chão não se fazia um bom lugar para dormir nem mesmo para os pobres coitados que não tinham um pouco de liberdade que fosse. Seu colchão havia sido retirado de sua cama minutos antes de chegar ao quarto, uma cortesia de seu tão querido pai.
De algum modo, Endeavor conseguia transformar aqueles momentos em verdadeiras sessões de horror, dominando o ambiente e a obediência da tripulação, não por lealdade, e sim por um medo irracional incutido por meio daquela prática. Sempre servindo de exemplo aos demais que apenas baixavam os olhos com o aviso pairando sob suas cabeças: "Você pode ser o próximo." E era ainda pior quando o exemplo era ele, seu próprio filho, apenas para mostrar que não haviam privilégios para ninguém na hora das punições.
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Sete-Estrelo
Fiksi Penggemar[+16] Havia uma lenda de muito tempo, passada de boca em boca por aí, em que um homem amaldiçoado e sua tripulação navegavam pelas águas mais tortuosas dos Sete Mares. Uma lenda que falava de um navio temido ou adorado e um capitão justo ou malvado...