A coisa toda era para ser simples: entrar, roubar a maldita relíquia e sair. Fácil, rápido e sem problemas. Num cenário ideal, Shouto não teria dificuldade alguma com esse tipo de tarefa, não era algo para se orgulhar - ou talvez, naquele mundo, fosse -, mas sua destreza era algo de que tinha orgulho. Ainda podia ouvir o ressoar das botas do Capitão percorrendo piso enquanto, com a sua voz grave recitava as linhas que seriam a direção para o tão falado teste, o som se propagando pela escuridão, os olhos, atentos à expressão confusa daqueles que detinham toda a atenção para si, como se ele emanasse algum tipo de poder com aquelas palavras.
― Lá no profundo há um lugar, que dista / Tanto de Belzebu, quanto se estende/ Seu sepulcro: Ali não penetra a vista ― ele começou, sem fazer um movimento sequer ao deixar que aquelas palavras confusas saíssem. ― Revela-o som de arroio, que descende/ Por brecha do rochedo escavara,/ Em torno serpeando, e pouco pende.
Shouto suspirou, sentindo a tensão perpassar seu corpo até chegar a ponta dos dedos das mãos. O tom de voz sussurrado seguia seu caminho até às orelhas cálidas do rapaz como se fosse um encantamento, feito especialmente para levá-los até o fim da linha, até o fim de suas miseráveis vidas. Denki soltou uma risada baixa ao seu lado, interrompendo o que era dito e murmurando para os rivais ao seu lado alto o suficiente para o Capitão escutar:
― Pensei que tivéssemos vindo aqui para nos unir a uma tripulação, não para ter aulas de poesia.
Nenhum movimento dele indicava o que estava prestes a acontecer. Houve apenas o assobio do aço cortando o ar e, no segundo seguinte, uma faca afiada cujo punho verde de couro se encontrava amaciado pelo constante uso, se cravou bem ao lado de sua cabeça, fixando-se na pilastra na qual se encontrava displicentemente encostado. Alguns fios do cabelo loiro caíram com suavidade até o chão e só então os olhos arregalados se voltaram para o braço estendido do Capitão.
― Eu apreciaria se não voltasse a me interromper ou na próxima não serão apenas alguns fios de cabelo, mas quem sabe aquilo que está grudado em seu pescoço. ― Kaminari engoliu em seco e assentiu. Então, aquele era Izuku Midoriya. Não era alguém com quem pudesse brincar. Os olhos verdes percorreram os demais, constatando a postura rígida e cuidadosa que mantinham, apreciando o fato deles terem entendido que o aviso dado valia para todos, para então voltar a se concentrar no que vinha dizendo. Respirou fundo e declamou a parte que faltava, sentindo um prazer especial ao ditar aquelas que há muito eram suas palavras mais caras. ― Para voltar do mundo à face clara/ Nessa vereda escusa penetramos:/ De nós nenhum de repousar cuidara.
E, então, Shouto piscou os olhos algumas vezes, percebendo a sonolência misturar-se com a ansiedade que percorria o seu corpo. A fala lenta lembrava-o vagamente das histórias contadas em um tempo longínquo em conjunto com a maciez das mãos de pessoas do passado. Ali ele percebeu, conhecia aquela história. Sabia o que acontecia nos próximos versos e, por isso, as palmas de suas mãos começaram a suar. O sepulcro, o sepulcro. Ele lembrava, queria não imaginar o que tudo aquilo significava para aquela missão. Assim, pôs-se a escutar os últimos versos daquele poema, olhando diretamente para os olhos verdes do Capitão, como se fizesse perguntas que nunca seriam respondidas.
― Vírgilio e eu, logo após, nos elevamos,/ Té que do ledo céu as coisas belas/ Por circular aberta divisamos: Saindo a ver tornamos as estrelas. ― Ele terminou e o silêncio que se seguiu pairou sobre os três como uma nuvem ameaçadora. De onde estava, Midoriya os assistia piscar lentamente, emergindo do transe a que tinham se submetido. Era divertido observar, ver nascer naqueles olhos o desespero em busca da compreensão, a tempestade que varria para longe da consciência toda a esperança que pudesse nascer.
Ao menos, era isso que esperava. Um deles permanecia estoico, olhar fixo no seu como se o desafiasse a perguntar. Os cabelos ruivos caíam sobre o rosto, lançando sombras sobre as formas bem marcadas, encobrindo a feia queimadura que o olho direito exibia, os lábios contraídos enquanto a mente voava a sua frente. Talvez o houvesse avaliado mal ou talvez aquela afronta deliberada não passasse apenas de pura e simples estupidez. Fosse o que fosse, os três ainda permaneciam parados nos mesmo lugar, seguindo cada um dos seus movimentos.
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Sete-Estrelo
Fanfiction[+16] Havia uma lenda de muito tempo, passada de boca em boca por aí, em que um homem amaldiçoado e sua tripulação navegavam pelas águas mais tortuosas dos Sete Mares. Uma lenda que falava de um navio temido ou adorado e um capitão justo ou malvado...