Quando passo por alguma situação difícil, fico doente ou minha irmã fica gritando por causa de qualquer coisa que eu fiz, eu imagino estar flutuando no espaço, afastando-me de tudo que conheço. Bem devagar...bem devagar... Enquanto escuto o sopro do vento. Antes que você reclame: eu sei que no espaço não existe ar e, portanto, não haveria como eu ouvir o vento ou qualquer outra coisa. Mas é assim que eu imagino: Estou flutuando sem direção no espaço, cercada de estrelas, meu coração bate forte e eu escuto o soprar calmo do vento. Como em um dia de verão. Como naquele dia.
Aquelas férias marcavam o final de uma etapa da minha vida porque seriam minhas últimas férias de verão no Ensino Fundamental e então teria que crescer, logo eu que tinha as mesmas ambições na vida que o Peter Pan, e conseguir entrar em uma instituição boa de Ensino Médio. Eu não queria nem pensar no exame de admissão que teria que fazer ou entraria em pânico, teria insônia e constantes enxaquecas como a minha amiga disse que já estava tendo, então eu usava todo o meu tempo livre para mergulhar de cabeça nos livros. Minha meta era ler vinte livros antes das aulas começarem, uma média de mais ou menos três livros por semana, não seria tão difícil para mim. Minha mãe ficava preocupada com meu apego com livros de fantasia e perguntou se eu não devia estar lendo os livros da escola, lembrando-me que não adiantava procrastinar minhas tarefas, uma hora eu teria que fazê-las. Eu tinha tentado de verdade ser uma boa aluna e boa filha mas as atividades eram tão aborrecidas que me recusei a desperdiçar minhas férias com elas.
O verão se projetava como um horizonte de possibilidades, de extensas horas agradáveis sentada na minha cama devorando contos sobre fadas, magia, mistério e romance. Eu costumava alugar os livros em bibliotecas, inclusive na que meu pai trabalha. Mas no dia que tudo começou eu não fui lá alugar nenhum livro, eu fui levar o almoço do meu pai. Logo que cheguei vi que a biblioteca ia ganhar livros novos. Que notícia fabulosa! Bem, novos mesmo não eram. "Novos" na verdade é um jeito de se pensar neles considerando que eram recém-chegados na biblioteca, suas manchas amareladas e lombadas surradas revelavam a idade daqueles senhores. Mas, sabe, nunca gostei de livros novos, eles tem um cheiro estranho, cheiro de plástico, de revistas. Podem até ter uma história mas livros velhos tem duas: uma nas palavras, outra por todo o seu comprimento. De quem teria pertencido aquele livro há alguns anos? Quantas pessoas já o teriam lido? Que tipo de pessoas elas eram? Eram sensíveis, egoístas, sensatas, inteligentes, más ou boas? Estariam elas apaixonadas quando leram este romance? Elas sentiram o mesmo que eu senti? Eram questões que eu adorava cogitar, gostava mais ainda do fato de não haver uma resposta certa.
Tinham dez caixas cheias e meu pai coçava a cabeça diante delas. Ele me disse que Takashi não havia chegado para ajudá-lo e os livros tinham que ser guardados antes da biblioteca abrir. Sem hesitar me ofereci para ajudá-lo.
一 Sinto muito, querida. Preciso fazer isso rápido.
一 Eu sei. E vai fazer muito mais rápido se eu ajudar!
一 Mas...
一 Eu prometo não começar a ler!
一 Você prometeu isso da última vez.
一 Mas, pai, o senhor precisa de ajuda. E dessa vez você vai estar de olho em mim, não é?
Ele parou. Olhou para as caixas e suspirou.
一 Vou aceitar sua ajuda.一 e dando as costas começou a resmungar 一 Onde foi que aquele garoto se meteu? Já devia ter chegado há vinte minutos. Vinte minutos!
Eu votaria pela demissão do Takashi mas meu pai nunca demitiria o pobre garoto mesmo que ameaçasse sempre. Eu desempacotei, formei pilhas e carreguei junto com meu pai até as prateleiras. Guardei os que ficavam nas mais baixas e ele, usando uma pequena escada, colocou os que deveriam ficar nas prateleiras mais altas nos seus devidos lugares.
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Sussurros do Coração
FantasíaShizuku é uma garota de 14 anos muito alegre e curiosa. A proximidade do Ensino Médio faz com que ela se sinta apreensiva sobre o futuro e assim ela passa a usar a leitura como fuga da realidade. Mas ao se deparar com um livro sem final ela decide v...