Capítulo 4- Um chá de possibilidades

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Sentada no sofá da casa dele eu continuei chorando até soluçar. Penso agora que muito do meu choro era por cansaço, eu não tinha dormido na noite anterior. No entanto naquele momento eu não sabia, estava muito angustiada para pensar direito. Só pensava no quanto fui idiota, fui teimosa demais. Eu devia estar em casa, eu queria voltar para minha casa. Mas só poderia voltar assim que amanhecesse.

─ Devia estar na sua casa. ─ disse Barão fazendo eco aos meus pensamentos. ─ Seus pais vão ficar muito preocupados.

Ele parecia um pouco atordoado com as minhas lágrimas. Aquele gato de ares britânicos era um espírito eremita, estava muito confortável com a sua solidão. Eu era claramente uma visita inconveniente, um bebê que deixaram para ele cuidar. Uma perturbação audiovisual no universo habitual dele. Aposto como queria se livrar de mim o mais depressa possível. Mas eu estava presa naquele lugar até o nascer do sol.

Fiquei com pena dele. Estava tão preocupado que fez o chá com muita pressa. Acabou acidentalmente misturando três sabores: hortelã, canela e outro que não consegui identificar e nem ele soube me informar. Barão se desculpou infinitas vezes por aquilo. Não parecia estar constrangido por ter me feito beber um chá estranho, em vez disso estava incomodado por ter cometido um erro. A hora do chá é muito importante para os ingleses. Também é muito importante para os japoneses. A diferença é que nós bebemos chá para relaxar, beber chá tem razões medicinais. Já os ingleses bebem chá para fazer uma pausa no trabalho.

─ Mil perdões por este incidente. Eu nem sei exatamente o que coloquei no chá.

─ Não se preocupe. Fica sendo um novo tipo de chá: A mistura especial do Barão. Um chá que cada vez é feito de uma forma. ─ eu disse procurando sorrir.

─ Cada vez terá um gosto diferente.─ observou.

─ É isso que fará ser especial! E, a propósito, está muito bom.

Ele devia me achar um pouco louca. Tudo bem, eu também me acho um pouco louca. Um longo e melancólico silêncio se seguiu até ele rompê-lo com uma pergunta estranha:

─ A senhorita já pensou sobre o destino das pessoas? Como parece que há um certo encadeamento de acontecimentos que tenta nos ensinar alguma coisa?

─ Já pensei um pouco. ─ respondi hesitante.

─ E se houvesse algum lugar onde tudo já estivesse decidido? Um lugar onde o destino das pessoas já estivesse traçado desde sempre?

─ Assustador. Bom, assustador não é a palavra certa, acho que seria muito pouco estimulante já saber tudo o que iria acontecer. Como tentar algo novo em um lugar assim? É, seria enfadonho. Muito enfadonho.

Ele não pareceu prestar atenção no que eu disse. Imergiu novamente em seus próprios pensamentos, parecia estar sendo consumido por eles. Um novo silêncio se estendeu enquanto eu, já com os olhos secos, observava a casa dele. Era muito maior do que eu supunha quando olhei por fora. Era adorável! Iluminada por uma luminária dourada cujas pontas terminavam em flores amarelas, dentro delas ficavam as pequenas lâmpadas. As paredes cobertas de papel de parede amarelo terminavam em vigas de madeira muito bem envernizadas. Em cima da lareira apagada havia porcelana azul e branca em mal estado e dois vasos de flores murchas dando um ar um pouco fúnebre para uma casa que podia ser tão alegre.

Ele tinha dois relógios, um deles era um relógio de pêndulo enchendo o ambiente com seu sonoro tique-taque. O outro era um relógio de mesa que também parecia bastante antigo, havia algo em cima dele que parecia uma campainha. Do lado deste relógio, na parede, envolto em uma moldura retangular bem simples, se encontrava o retrato de uma gata muito bonita. Ela usava um vestido de cintura alta verde musgo da mesma cor da sombrinha que segurava com ambas as mãos. Carregava nos ombros um xale vermelho borgonha e na cabeça, um pequeno e delicado chapéu com uma flor feita de feltro. Tinha um olhar confiante, uma semblante calmo e um sorriso divertido brincando nos lábios. Ela não olhava para o espectador mas para o horizonte, para o futuro e suas possibilidades. Parecia alguém de quem eu iria gostar. Quis perguntar quem era mas não tive ânimo, minha curiosidade pulsante tinha sido momentaneamente esfriada. 

Sussurros do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora