Capítulo 6- O caranguejo

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Caímos de cima da árvore arrancando galhos, arranhando todo o corpo. Eu continuei pendurada como em um balanço porque minha cintura estava amarrada. O Barão teve que me ajudar desfazendo o nó. Depois de muito empenho consegui chegar ao chão. Enquanto arrumava o vestido que "ganhei" do buraco de minhoca eu me perguntava se conseguiria ficar com ele depois de sair daquele lugar. Era realmente um vestido muito bonito, era vermelho como a camiseta que eu estava usando antes e (veja só!) mangas bufantes. Barão moveu a cabeça de um lado para o outro. Logo me informou que estávamos completamente perdidos, não conseguia reconhecer nada ao redor.

─ E o que faremos? ─ perguntei hesitante.

Em um minuto o rosto dele se iluminou. Falou que íamos ver um amigo dele, fez um gesto para que eu o seguisse e se adiantou através do matagal.

─ Como você irá achar a casa desse amigo?

─ Ele não mora em uma casa, mora em uma livraria.

Muito esclarecedor, para variar.

─ Então como acharemos a livraria do seu amigo? ─ insisti na pergunta.

─ Não acharemos. É impossível.

Eu desisti de tentar entender. Estava sem fôlego por correr tanto. O Barão parou em uma clareira, se abaixou e encostou o rosto na terra. Levantou-se e foi até mim.

─ Vamos esperar aqui, me parece um bom lugar. Procure, por gentileza, um besouro dentro da bolsa.

Não entendia para que ele queria um inseto, mas obedeci. Tirei de dentro da bolsa alguma coisa gelada do tamanho da palma da minha mão. Não era um inseto, era um colar. O pingente que pendia dele era um besouro de prata incrustado com uma pedra escura. Ele girou a pedra duas vezes, o besouro abriu as asas e saiu voando na direção do poente.

─ Estou mandando um sinal para meu amigo. ─ ele explicou finalmente ─ Funciona mais ou menos como um sinal de fumaça.

Poucos minutos depois, nós sentimos um tremor na terra. Ficava cada vez mais forte, terra foi lançada para todos os lados quando surgiu na nossa frente uma verdadeira monstruosidade abrindo caminho com suas pás. Ou seriam patas? Era um caranguejo de madeira, do tamanho de um prédio, com olhos azuis brilhantes. Ele surgiu estrondosamente e parou com seu casco subindo e descendo, fumaça acinzentada saia das suas narinas. Era uma máquina impressionante pois parecia rudimentar demais para funcionar, entretanto, lá estava ela, a todo vapor. Abriu uma tampa retangular na parte de baixo do casco. Nela havia uma escada. Subimos por ela, meus olhos não estavam preparados para o que eu ia encontrar lá dentro.

Era uma livraria que me deixou sem palavras! Prateleiras de livros de madeira avermelhada se erguiam do chão até quase tocarem o teto. Havia lustres emitindo uma luz amarelada. O chão era âmbar brilhante e espelhado. Na concavidade acima de nós, era possível ver pinturas, eram moças com véus de prata ao lado de unicórnios alados, círculos de fadas, cachorros dançando sob duas patas, um coelho segurando um guarda-chuva fugia de uma tempestade de raios e duendes rolavam de rir de um pato que parecia enamorado do seu próprio reflexo. Segui atrás do Barão enquanto passeava os olhos e os dedos pelas prateleiras. Nenhum título conhecido, é claro. Não era uma livraria do meu mundo. Ao fundo, vi uma escada em espiral que levava ao segundo andar. Raposas com capas vermelhas organizavam os livros nas prateleiras. Uma delas, que parecia a mais velha, estava repreendendo um coelho por ter chegado atrasado e estar sem uniforme. Eu ri me lembrando de Takashi.

O êxtase de entrar em uma livraria é difícil de ser explicado. Imagine que está diante de portas, centenas de portas mágicas, cada uma pode te transportar para um mundo povoado de seres mágicos e aventuras heroicas. Você tem todas elas ao alcance da mão, naquele momento você se sente detentor de toda a riqueza do mundo. Nenhum tesouro seria melhor que isso. Livros nos fazem ir a lugares estranhos sem sair do conforto de casa. Mas eu era jovem demais naquela época para perceber que livros tem um outro tipo de poder: o conhecimento. Eu não sabia, como sei agora, que saber é poder. Nunca pensei muito sobre como livros podem ser usados para entender o mundo e não apenas para evitá-lo. 

Sussurros do CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora