Ele não pode me pegar. Ele não vai me pegar. Ele não sabe onde estou. Ele não poderia me encontrar mesmo se quisesse. E talvez não queira. Me abandonou, não é mesmo? — largada em um banheiro sujo, perdida, sem memória. Ele não virá atrás de mim. Ele não pode me pegar.
Repito as palavras para mim mesma, mas não sei ao certo se acredito nelas. Parecem distantes e desconexas, algo que escutei em algum lugar e que deveria ser reconfortante, mas que só faz aumentar o medo.
E, enquanto isso, eu corro.
Paro quando já estou há vários quilômetros de casa; ou ao menos, é o que espero. Paro de correr em uma espécie de parque, e por algum motivo, todo aquele espaço verde desobstruído de prédios, cimento ou carros faz com que eu me sinta sufocada. Olho em volta e não tenho certeza de onde estou.
Me sento ao pé de uma árvore, apoiando as costas no tronco, e abraço meus joelhos. O tempo está frio, e não estava preparada para o vento gelado quando corri para longe. Algumas pessoas passam e me lançam olhares enviesados, e tenho vontade de dizer para elas que parem — parem de me encarar. Não sabem do que sou capaz. Nem mesmo eu sei do que sou capaz.
Machuquei Christine. Machuquei Caleb. Jurei a mim mesma que não os feriria, fiz uma promessa silenciosa de que partiria antes que tivesse a chance, mas fracassei. Fiquei, e por ter ficado, os coloquei em perigo. Jamais deveria ter aceitado sua ajuda. No momento em que meu poder, aquela estranha maldição que me perseguia, se manifestou, eu deveria ter simplesmente dado as costas e partido.
Encaro minhas próprias mãos, mas não as vejo de verdade. Vejo a escuridão, e Caleb e Christine sendo lançados ao ar por ela. Vejo as vidraças escuras no café, e a expressão nos olhos de Caleb quando percebeu que eu era a fonte. Vejo o medo que eles tentam não demonstrar, mas sei que sentem. Vejo a mim mesma, cambaleando naquela estação de metrô, sem saber quem era. Talvez tivesse sido melhor se eu nunca tivesse descoberto.
E, por trás disso tudo, vejo ele, seus olhos azuis parecendo zombar de mim.
As memórias vêm em um fluxo intenso, e quando dou por mim, as árvores e o gramado desapareceram. Estou na maca, as luzes passando sobre a minha cabeça sendo a única indicação de que estou me movendo. O movimento me deixa tonta, e minha cabeça pesa. Subitamente, paramos.
— Ajudem-na a descer. — ouço-o dizer. Sua voz é grave, como se vinda direto de um pesadelo.
Mãos erguem-me pelos braços, e estou mole demais para lutar. A tontura piora quando me forçam a ficar de pé, e sou praticamente arrastada num curto trajeto entre a maca e uma porta. Me lançam para a sala além, um espaço confinado de não mais de quatro metros quadrados, de paredes acolchoadas. Antes que eu consiga reagir, a porta está sendo fechada.
A luz acima de mim é brilhante, e me encolho, erguendo a mão para proteger os olhos. Conforme vou tomando mais e mais consciência do meu corpo, avalio o espaço à minha volta. São três paredes acolchoadas e uma inteira de vidro. Além da vidraça, posso ver um time de enfermeiros mascarados, computadores e, mais além minha nêmeses de olhos vítreos.
Ele se inclina para um dos enfermeiros, sentado à frente de um computador, e diz algo que não consigo escutar. O outro concorda.
Então, as paredes começam a se mexer.
Ouço antes de ver. O barulho é alto, como se engrenagens anormalmente grandes ajudassem no movimento. Olho em volta e percebo que o espaço está diminuindo gradualmente. O efeito é automático. Meu coração acelera, a respiração me falta. Preciso sair dali!
— NÃO! — grito, batendo no vidro. Meus braços ainda estão moles da anestesia, mas a adrenalina do desespero não tarda a fazer sua parte, deixando-me mais ágil e forte — NÃO!
Soco o vidro com toda a minha vontade, mas ou sou fraca demais ou o vidro é muito resistente. As paredes continuam a encolher a sala à minha volta. Me volto para a porta.
Não há maçaneta do lado de dentro, nem nada além de vários centímetros de ferro. Tento encontrar uma abertura no batente pela qual forçar a porta, mas sou obrigada a recuar quando ela avança sobre mim, o espaço se confinando cada vez mais. Vou morrer ali. Esmagada, se tiver sorte, sem ar e lentamente, se não tiver.
Não vou. Não posso. Não vou.
Então explodo. O grito que sai de mim é quase tão alto quanto o som que as paredes fazem ao colidirem com a barreira negra que formo ao meu redor. De repente, tudo à minha volta está escuro — mas eu nunca vi com tanta clareza. Já fiz isso antes. Posso controlar. Só preciso me controlar um pouco mais.
Forço o poder que emana de mim a recuar as paredes. Elas se arrastam contra a vontade, emitindo silvos agudos quando sou eu contra as engrenagens. Posso ver os olhares confusos dos enfermeiros do lado de fora, se perguntando o que aconteceu — mas não dele. Ele sorri. Está completamente satisfeito.
Mas eu não.
Recuo as paredes ao máximo, e então recolho a escuridão para dentro de mim. E antes que eles tenham tempo de sorrir de alívio e recolher suas anotações, explodo de novo. Desta vez, com um alvo muito específico em mente.
O vidro estilhaça tão logo o atinjo, desfazendo-se como papel. Cacos se espalham pelo chão, mas agora que consigo vê-los e escutá-los, não há nada que me impeça de ir até eles. Caminho sobre o vidro quebrado, energizada demais para sentir dor, e atravesso para a antessala com os olhos focados em um único alvo. Vou quebra-lo. Vou parti-lo em tantos fragmentos quanto aquele vidro pelo que fez comigo. Vou...
— Ainda não, Mayumi. — ele diz, como se pudesse ler meus pensamentos.
Um estampido, uma fisgada no pescoço. O dardo é a última coisa que sinto antes de desabar no chão.
— Mayumi?
Pisco, perdida. As paredes se foram. Os enfermeiros desapareceram. E no lugar do par de olhos azuis que me assombram, há os olhos castanhos que me hipnotizam. Demoro um instante para enxergar Caleb ajoelhado na minha frente.
— Graças a Deus! Achei que... — ele emudece, e sem aviso, me puxa num abraço.
Estou paralisada demais para reagir, congelada de corpo e alma no lugar. Ainda consigo ouvir a explosão do vidro, e meus próprios pensamentos sobre o dr. Arnold. Em algum lugar no fundo de minha mente, me pergunto quanto tempo demorará para que essa Mayumi homicida ressurja — e, quando o fizer, quanto tempo levará até que sua ira se volte contra Caleb.
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No Escuro
General Fiction"Com dificuldade, me coloco de pé. O mundo gira à minha volta, entrando e saindo de foco, como uma câmera quebrada. Cambaleio, e me apoio em algo duro e gelado; uma pia. Apoio-me nela, e ergo os olhos para um espelho sujo na parede. Não consigo dist...