IV. 100% acidental

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Estar de castigo não era algo com que Thomas estava familiarizado, e dessa vez não tinha saído da rotina. Ele agradecia por isso. Segundo o pai, continuar no colégio até mais tarde e ser submetido à detenção já era castigo o suficiente.

O que dizer sobre isso? Thomas totalmente concordava.

O que o tirava do sério dentro de casa, na realidade, eram as piadinhas. Qual é? Aquilo tinha acontecido quatro dias atrás, Thomas tinha ficado em detenção durante os quatro dias, hoje era sábado, e tudo que queria era ficar de boa, sem ninguém soltando gracinha. Mas, como sua família não era nada normal, tinham de tocar na ferida de instante e instante, porque era assim que as coisas funcionavam.

O mais novo dos Standall ficava bravíssimo. Quando o pai e o irmão se juntavam para atormentá-lo era impossível não ficar bravíssimo, aliás.

Pai, você não vai pôr pimenta, vai? — perguntou Thomas, com um bico nos lábios enquanto olhava por cima dos ombros de seu coroa.

Tentava ter alguma noção do prato de hoje, quando se deu conta de que não fazia ideia do que era aquela gororoba, mas tinha certeza de que se fosse colocado pimenta ali não ficaria muito legal. Sexto sentido? Ele não sabia ao certo.

— É claro que vou. Vai ficar bom, você vai ver! Agora se aquiete aí.

— Me deve dez dólares se não ficar.

— Feito! — O pai o estendeu a mão, como quem quer fechar um acordo, e Thomas a aceitou de bom grado.

Trevor, encostado à bancada e com cara de entediado para aquele papinho furado, revirou os olhos. Com um ciúme mais que notório ele pigarreou, e provocou:

— Se eu fosse você, papai, tomava cuidado. Nunca sabemos quando Tommy pode estar com uma caneta, né?

— Cala a boca, seu loiro oxigenado! — esbravejou Thomas, meio aborrecido.

Aquele momento seria cômico se ele não estivesse vermelho de raiva. Aos olhos de qualquer um poderia estar soando engraçado, mas para ele era como se fosse explodir de vergonha a qualquer momento. Depois de um tempinho, no entanto, a raiva passou, e lá estavam eles na mais pura e (im)perfeita harmonia novamente. Agora era desse jeito por ali.

Quando a mãe morreu, Thomas era novo demais para ter noção do que acontecia ao seu redor, mas sabia que o pai ficara despedaçado. A reconstrução era diária, alguns dias melhores que outros, como este, em que estavam juntos e bem. Em outros, o velho Standall se empenhava incessantemente no trabalho, para que não restasse tempo algum para pensar nela.

Os meninos tiveram de se adaptar, no entanto. E agora já não era mais tão ruim, embora ainda houvesse momentos de muita dor de cabeça, mesmo que poucos. 

Depois de almoçar com a família, Thomas não demorou a sair; iria encontrar seus amigos numa praça perto da casa de Hunter e Naomi. Era sábado à tarde, tinha de se ocupar com algo, afinal. Talvez ele estivesse um pouquinho atrasado — nunca era pontual, na verdade —, mas esse era mero detalhe...

Assim que chegou, encontrou Hunter todo emburrado.

— Você demorou — resmungou ele, com cara de quem quer matar alguém. — Até Nay e Aly chegaram primeiro que você, e elas são garotas.

Ele parecia impaciente, mas assim que Naomi lhe deu um belo tapa no braço "pra parar de ser machista", como ela mesma disse, Hunter se aquietou.

Ele pegou o skate que ela segurava embaixo do braço e apontou para a pista própria para aqueles brinquedos de rodinhas. Podia parecer ofensivo para as pessoas que gostavam de skates e patins e patinetes e essas coisas chamá-los assim, mas para Thomas realmente não passavam de brinquedos de rodinhas.

Delírios Não Apaixonados (romance gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora