PRÓLOGO

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Um corvo-pardo na terceira janela da casa de Bragi, um mal presságio bizarramente específico. Morte de alguém muito importante. As ovelhas mal se moviam, direcioná-las para o aprisco nunca havia sido tão difícil para o jovem pastor, Ersoh Drazir. Com sua baixa estatura era difícil ter respeito, até mesmo para as ovelhas. Após finalizar todas suas obrigações do dia, poderia se reunir com Bragi, ou melhor: o velho louco, Bragi. Um senhor que morava em sua vila, que diferente dele não era maena, mas vivia como um, porém sem trabalhar nas fazendas.

Bragi era um estudioso, um ser mal compreendido pela maioria das pessoas, mas Ersoh aprendia muito com ele. Assim que a última ovelha entrou no aprisco, Ersoh correu para a casa do velho. Bragi mexia em plantas sobre sua bancada, sem querer incomodar, o pastor se aproximou devagar, o velho cortava algumas folhas e esmagava outras até perceber a presença do aprendiz. Bragi o recebeu com um afago em seus cabelos encaracolados, um gesto gentil, mas que para Ersoh reforçava a ideia de que era apenas uma criança apesar dos dezesseis anos.

— Senhor Bragi, já recolhi todas as ovelhas e tirei as ervas daninhas de sua plantação, será que podemos começar a lição de hoje? — disse Ersoh desviando sua cabeça as mãos do velho.

— Quanta pressa, Ersoh — resmungou Bragi enquanto bocejava — Tudo bem, vamos começar com os textos de fitologia que eu mandei você ler. Alguma dúvida?

— Liras negras, para que servem?

— Te matar. Próxima?

— Isso estava escrito, mas tinham também escritos sobre preparo com macerador e coisas que o senhor ainda não me ensinou a usar. Por que tem preparo se é para matar?

— Você acabou de responder sua pergunta.

— Mas tinha algo relacionado a prazer no texto que me deu. A morte não me parece prazerosa.

— Existem vários pontos de vista, para alguém a morte pode ser prazerosa.

— Não faz sentido — bufou o garoto.

— Liras negras — explicava enquanto puxava um dos livros que dera a Ersoh — Plantas comumente encontradas nas Madeiras de Nyrm, utilizadas para consumo único, relacionadas ao prazer momentâneo e/ou duradouro. Possíveis consequências: morte.

— Viu? Prazer duradouro. Morte não é rápida?

— Não sei, você já morreu? — O velho riu. — Nunca saberemos até chegarmos no último dia, garoto. Seria a morte um prazer, o fim da dor? Ou seria a morte a dor eterna? Cabe a você decidir, jogue uma moeda para descobrir e torça para que um dos lados caia, e saberá qual deseja.

— Isso não faz muito sentido.

— Bom, depois falamos das liras negras. Vi um dos Pássaros Azuis na porta de sua casa, é melhor ir lá olhar o que aconteceu e depois a gente resolve suas dúvidas quanto às liras se eu ainda estiver por aqui.

— O que a guarda real quer comigo? Nós pagamos as taxas essa quinzena.

— É exatamente o que eu te disse para descobrir, você não está me ouvindo?

O jovem pastor arrumou seus poucos pertences, cerrava os dentes, suas mãos tremiam. Amontoou livros e algumas ferramentas dentro de sua sacola e foi para sua casa. O pequeno vilarejo de Bornt estava, como sempre, silencioso. Os animais já estavam recolhidos, as pessoas também, e a noite já se iniciava. O caminho até sua mãe era curto, seus passos rápidos o fizeram chegar em casa depressa.

Sua moradia era simples, em um cômodo quadrado estava toda a mobília, o fogão à lenha, a pequena mesa de jantar e as camas improvisadas de palha. Sua mãe estava sentada à mesa, com um olhar perdido.

— Mãe, está tudo bem? — perguntou Ersoh num tom preocupado.

— Eles querem te levar. — respondeu ríspida.

— Eles quem?

— Os Pássaros Azuis. A Guarda Real. Juolir!

— Me levar aonde? — insistiu o pastor.

— Para ser um deles.

Batalha de Nyrm - Uma Fantasia MedievalOnde histórias criam vida. Descubra agora