03. CULPADO

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Sua vontade era de surrar o velho. Mas ele era um velho, isso não era o certo a se fazer. Não estava na sua melhor condição, estava quase desidratado, banhado em seu próprio vômito e assustado com tudo aquilo.

— Olha, o chá ainda está quente, se quiser tomar... — sugeriu Aldar.

— Você quase me matou do coração, Aldar! Ele está morto, muito morto! — gritou Ersoh.

— E você disse que não tinha medo de nada. — riu.

— Eu não quero chá, eu quero o Tyr de volta. Eu o matei, Aldar. A culpa é minha! — seus olhos encheram-se de água.

— Olha, pelo que eu sei, depois que morre não tem como voltar. Então, posso tomar o chá?

— Toma! Faz o que quiser com ele! Eu não me importo! — vociferou num berro misturado com choro.

— Mas o chá faz bem, se você tomar vai ficar mais relaxado. Aí depois pode se culpar pela morte do garoto.

— Me dá isso aqui. — Puxou a xícara da mão de Aldar e virou a bebida num só gole.

— Não, não, droga! Você fez tudo errado!

— Eu sei! Eu devia ter me escondido dos Pássaros Azuis quando foram me buscar e não ido até eles!

— O chá! Se toma devagar, você deve sentir o gosto! Não é remédio para se tomar de uma vez só! Por isso maenas não tomam chá, vocês não sabem.

— Desculpa, eu só faço as coisas errado, aparentemente. — Sentou-se numa pedra próxima ao corpo de Tyr.

— É o que parece mesmo. Mas não se culpe por isso. Todos fazemos coisas erradas, sabia? Foi você quem bateu nele até ele, enfim, você sabe, morrer? Você o obrigou a passar pelo mesmo lugar que você durante a corrida?

— Não. — Quase não conseguiu responder, estava difícil conter as lágrimas.

— Então não foi culpa sua, não totalmente. As coisas acontecem, como um dia após o outro.

— Como sabe que bateram em nós porque trapaceei? Como sabe meu nome? Não lembro de ter falado.

— Eu... sei. — confessou o velho. — E seu nome eu sei porque ouvi o seu amigo grandão falando, ele tenta sussurrar, mas falha miseravelmente.

Ersoh não disse mais nada. Observava o corpo morto de Tyr. Ele merecia um enterro e Ersoh o fez. Com a ajuda de Aldar, que curiosamente havia trazido uma pá, cavaram uma cova rasa e o enterraram.

— Você tem alguma religião? — perguntou Aldar.

— Não sei. Mas acho que a Ordem de Yorohr basta. Por quê?

— Geralmente fazem algumas preces para que a alma seja recebida onde quer que seja, não sei, eu não acredito nessas coisas. Enfim, que Yorohr possa cuidar dele, onde quer que ele esteja. É o suficiente?

— Acho que sim. — concordou o pastor.

— Então vamos, você perdeu o almoço servido na casa vermelha, eu preparo algo para nós.

O silêncio de vozes permanecia, somente o barulho dos talheres de Aldar era audível. Em alguns minutos o velho saiu da cozinha com duas cumbucas. A aparência não era nada apetitosa, um liquido viscoso e alaranjado borbulhava e exalava um aroma incomum.

— Espero que goste. — disse Aldar esperançoso.

— Espero que eu não morra. — confessou Ersoh.

— Esse não é o melhor elogio que se possa fazer.

Ersoh descobrira que a aparência não estava de acordo com o gosto, este estava muito melhor. Comeram.

Batalha de Nyrm - Uma Fantasia MedievalOnde histórias criam vida. Descubra agora