01. TRAPACEIRO

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Um bom pastor sabe quando cuidar das ovelhas e quando caçar os lobos. Era o que o pai de Ersoh costumava dizer, porém Ersoh não era um bom pastor e estava na hora de caçar lobos em nome do rei Juolir. Ele não tinha escolha. Sua mãe já não tinha mais lágrimas para chorar. Seu estômago estava se revirando. Ele era um pastor, não um guerreiro.

Dormir não foi uma tarefa fácil, logo desistiu. Uma noite inteira olhando o teto de sua humilde casa, regada de cochilos rápidos e ouvindo o choro abafado de sua mãe, ela estava doente, abandona-la não era exatamente o que Ersoh queria, mas era uma chance única de mudar de vida e quem sabe ter um futuro melhor com ela. Lutar em nome de um rei. Para um nobre isso deveria ser uma honra. Mas para um maena? Valeria a pena? Deveria ser uma honra também? Sua cabeça não parava. Eram muitas perguntas, e com certeza Bragi não saberia respondê-las. Bragi. E meus estudos com ele? Eu tinha tanto a aprender sobre as plantas. E sobre todas as coisas.

Assim que o primeiro feixe de luz do sol entrou pela sua única janela, Ersoh se levantou. Sua mãe havia lhe informado que os Pássaros Azuis iriam estar no centro e que ele deveria chegar cedo. Arrumou seus poucos pertences, abaixou seus cabelos negros e encaracolados para que eles ficassem o menos bagunçado possível. Não gostava de despedidas. Respirou fundo enquanto observava sua mãe dormir, apertou o colar que ela lhe deu, — sua corda era feita de manguiçá a folha da Ordem, seus fios unidos jamais se partiriam, mas sozinhos eram facilmente rasgáveis. O pingente esculpido na pedra pelas mãos de sua mãe tinha três traços, sendo o do meio maior, que cortavam um círculo verticalmente, o símbolo da Ordem — partiu. Talvez seu pai tivesse orgulho dele, estaria fazendo algo por um bem maior. Não hesitou. Não por coragem, não por vontade, mas por medo. Medo de causarem algum mal à sua mãe. Ela era sua única família, não poderia perdê-la.

Passou pela casa de Bragi, mas o velho ainda não havia acordado. Sabia que a chave ficava atrás do arbusto, em cima da janela. Ele a deixava ali para que o garoto soltasse as ovelhas no pasto e fizesse seus afazeres diários, antes de ir para as plantações. Hoje, não iria. Espero que Bragi consiga recolhê-las. Entrou na casa do velho, que era um pouco mais afortunado que Ersoh. Sua casa tinha dois andares, com o primeiro destinado a uma pequena cozinha e uma sala com uma enorme biblioteca. Nos fundos tinha uma espécie de laboratório, onde trabalhava com suas diferentes ervas. No segundo andar tinha seu quarto, no qual Ersoh nunca subiu. O pastor olhou a biblioteca de seu professor, correu os olhos pelos títulos, um fisgou sua atenção. Fitologia III – A arte das plantas. Jogou o livro em sua sacola. Bragi não vai sentir falta, eu acho.

Estava atrasado, apressou-se para abrir o cercadinho que prendia as ovelhas e foi para o centro. Chegou depois de algumas horas de caminhada, e os Pássaros Azuis já estavam lá, junto de outros garotos que aparentavam ter a idade de Ersoh. Uma fila levava os jovens a diversas carroças, era a primeira vez que Ersoh iria sair de Bornt. Mas para onde?

— Seu nome, garoto? — indagou um dos guardas reais.

— Ersoh Drazir.

— Entra.

— O senhor poderia me dizer para onde estamos indo?

— Entra logo! — respondeu com um empurrão, jogando o garoto dentro da carroça que tinha mais quatro jovens.

Conhecia poucas pessoas, mas nenhuma delas eram aqueles garotos. Um deles era loiro, um pouco mais alto que Ersoh, e estranhamente não parava de sorrir. Para que tanta alegria? Talvez ele saiba para onde estamos indo, será que é um lugar bom? Tinha vontade de puxar assunto, mas lhe faltava coragem. O garoto percebeu a inquietação de Ersoh.

— Ansioso? — perguntou o menino.

— Um pouco. Mais curioso mesmo.

— Eu nunca imaginei que deixariam maenas serem guerreiros. Sempre tive vontade de empunhar uma espada. A foice nunca foi meu forte, entende?

Batalha de Nyrm - Uma Fantasia MedievalOnde histórias criam vida. Descubra agora