Acho que depende da perspectiva

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O som de seus dedos deslizando pelo teclado enquanto digitava freneticamente era tudo o que se ouvia. Eu o observava num misto de alegria e incerteza, mais incerteza que alegria, havia algo errado, mas eu não saberia identificar. Cheguei a perguntar, assim como quem não quer nada, se ele tinha certeza do que estava fazendo - "vai que você mude de ideia" - brinquei, mas ele parecia ridiculamente feliz, nem sequer parou de digitar enquanto me olhava sorrindo. Assim que todo processo acabou um Tharn extremamente feliz imprimiu a papelada. Ele assinou rapidamente e me entregou para que fizesse o mesmo. Pronto, estava feito, certidões de união estável assinadas, nós estávamos oficialmente casados.

Logo fomos a um restaurante, desses com temática americana dos anos sessenta, com sofás acolchoados em forma de meia lua e garçons usando suspensório. Tharn trouxe a papelada com ele e exibia para quem estivesse mais próximo, apontava para mim, dizendo a todos que sou seu marido, que acabamos de nos casar. As pessoas sorriam e nos felicitavam, tudo estranhamente constrangedor.

Tharn encanta a todos com seu sorriso, mas não me atinge como achei que seria, sempre pensei que sabia exatamente como me sentiria quando esse momento chegasse. Eu lutei por ele, mas meus sentidos me confundem, me sinto em alerta, não é nem de longe como imaginei. É constrangedor, bonito, mas também assustador, como se algo pudesse me atingir a qualquer instante

Mesmo há mesa, Tharn continua sua exibição de nosso compromisso, algumas pessoas parecem não entender, outras sorriem constrangidas. Eu gostaria de estar tão feliz quanto a ocasião pede, mas fico repassando na cabeça como foi que chegamos até ali, me perguntando porque não estou tão feliz, afinal aquilo era tudo o que sempre quis, que Tharn me amasse. Mas não me lembro, não consigo lembrar. Essa sensação desconfortável começa a crescer cada vez mais, então decido que é hora de Tharn parar, tento contê-lo, mas é inútil, ele quer dividir nossa felicidade com o mundo. Enquanto tento pegar os papéis de suas mãos um garçom aparece nos oferecendo o cardápio e eu sinto o ar sumir de meus pulmões pois é Tar.

Ele sorri, sorri com o sorriso mais sincero do mundo, como se fossemos velhos amigos e nos parabeniza pelo casamento. Tharn sorri para ambos. É a cena mais perturbadora da minha vida e eu estou petrificado. Tar se oferece para trazer o especial do dia e Tharn aceita, eu só consigo observá-los.

Tar volta rapidamente, há uma bandeja em suas mãos. Ele serve Tharn primeiro, hambúrguer com batata frita, tudo a ver com aquele lugar. Tharn já está com seu hambúrguer em mãos quando sou servido. Tar deposita a minha frente um enorme prato de sopa, mas é estranho, as manchas no prato... Ele sorri e gestualmente me incentiva a provar. Eu pego a colher e mergulho no líquido, mas ao retirá-la percebo que aquilo não é sopa, é sangue.

Tento levantar, mas não é o tipo de assento que se mova, você precisa sair pela lateral, por conta do movimento brusco minhas pernas batem na mesa e parte do líquido cai da borda do prato sujando a mesa e a mim. Enfim consigo me levantar, me inclino em direção ao guardanapo, mas Tar é mais rápido, ele se vira em minha direção e sua roupa está coberta de sangue, hematomas surgem por todo seu corpo, seu olhos começam a inchar, mas sua expressão não se altera, ele continua sorrindo e limpando minha roupa.

"Não se preocupe, é só esfregar com vinagre branco". Sangue coagulado derrama de sua boca. Eu não aguento mais, preciso sair dali.

O empurro e vou em direção a saída, Tharn chama meu nome. Todos no restaurante me observam, começo a notar alguns rostos conhecidos, Tae, Song, Type... todos sorridentes e sujos de sangue, há sangue nas paredes, poças de sangue se espalham como se brotassem do solo. Tharn consegue me alcançar, ele segura meu pulso.

"O que há de errado, o que aconteceu com você?" Ele parece alheio a todo cenário a nossa volta, mas se assusta ao olhar para baixo. Sigo seu movimento e vejo minhas mãos, elas estão cobertas de sangue, sangue que brota de feridas abertas em meus pulsos. O espanto de me desvencilhar dele faz com que eu cambaleie para trás e caia em mais sangue. Um rio de sangue.

ThornLhong - Uma História do Universo LBCOnde histórias criam vida. Descubra agora