Você não se cansa de fingir?

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O caminho de volta foi mais fácil do que imaginei. Haviam pessoas pela passagem, todas me olhando com curiosidade. Não deve ser comum ver gente nova pelas redondezas. Chego em casa, guardo os recipientes na geladeira e observo seu interior, o que me faz pensar em vovó Daon, quase não há comida e o que tenho é congelado. Sorriu imaginando o tanto que ela reclamaria se pudesse ver isso.

Ando pela casa, observo os cômodos, o vazio. Me pergunto se foi uma boa ideia voltar tão cedo, não há absolutamente nada para fazer. Não tenho pra onde ir, com quem falar, apenas silêncio, se Nong estivesse aqui com certeza tornaria o lugar barulhento. N'Pluem... penso em seu sorriso e sua personalidade alegre, ele é um garoto muito gentil, se a situação fosse outra, as coisas poderiam ser diferentes, mas. O tempo não volta atrás.

Paro no meio da sala, a lareira é o único objeto. Me pergunto quem teve a ideia de construir isso aqui, nessa cidade extremamente quente, quem acenderia um fogo? Mas a resposta é bastante óbvia, é apenas um adereço, algo inútil para embelezar o lugar e principalmente torná-lo mais caro. Assim como eu sou, ou era, acho que também já perdi essa utilidade.

Me pergunto onde podem estar, não faço ideia em que parte do mundo moram agora, a única certeza é devem estar o mais longe possível um do outro. Entro no site da empresa e descubro que meu pai mora a dois anos nos EUA supervisionando um novo empreendimento, se ele está nos EUA, minha mãe deve estar pelo menos um oceano de distância, o casamento perfeito.

...

Enquanto aguardo para atravessar a rua vejo um garoto esperando para fazer o mesmo do lado oposto, ele está distraído com o celular e no momento em que dá alguns passos fora da calçada um carro surge e o atinge de raspão, mesmo assim o impacto foi suficiente para derrubá-lo, ele bate com a cabeça e permanece imóvel.

Estou agachado e o observo, ele deve ter a minha idade, há uma mancha de sangue no chão onde sua cabeça bateu. Posso ver que ele respira pelo movimento ritmado de seu peito, sei que não posso movê-lo, olho em volta, as pessoas apenas nos observam e não fazem nada. Grito com eles, falo pra chamarem uma ambulância.

Busco sua mochila e celular no chão. Procuro em sua agenda telefônica alguma contato familiar e encontro "Mãe", mas após duas tentativas não atendidas, retorno a agenda e encontro "Pai". A ligação é atendida no primeiro toque.

Um homem notadamente nervoso pergunta onde estou, antes mesmo que eu possa falar qualquer coisa ele pede desculpas, diz que aquilo não irá mais acontecer, que será um pai melhor e o protegerá, eu o interrompo e rapidamente explico o que aconteceu.

Há uma ambulância, profissionais cuidam do garoto, eu permaneço observando de longe ainda segurando sua mochila sem saber exatamente o que fazer. Um carro aparece, dele um senhor e uma garotinha saem às pressas, eles vão até o garoto, o homem conversa com os paramédicos. Vejo o garoto tentar mover os braços e um dos paramédicos se inclinar e conversar com ele. Eles o estão colocando na ambulância e o senhor vem em minha direção. Antes mesmo de um cumprimento ele me abraça forte, agradece por salvar seu filho, tento explicar que não o salvei, mas ele continua a me abraçar, então segura minha mão, me convida para ir até o hospital.

Estou no banco traseiro de um carro luxuoso, há um motorista na direção. Ao meu lado uma garotinha de aproximadamente dez anos me observa meticulosamente. A encaro e ela sustenta o olhar. Ela é espirituosa, sorridente e curiosa, seu modo de falar parece de alguém mais velho. Ela me enche de perguntas dali até o momento que entramos no hospital. Quando estamos prestes a entrar ela informa que decidiu que gosta de mim.

Estamos em um corredor, aquele senhor conversa com uma mulher, ela é mais jovem que ele, deve beirar os cinquenta e é uma das mulheres mais lindas que já vi, tudo nela exala beleza e riqueza. Eu pergunto pelo garoto e ele responde que seu filho já acordou, que a pancada na cabeça foi preocupante e por isso os médicos estão fazendo exames para descartar qualquer possibilidade. Enquanto isso a mulher me observa de cima a baixo. Sem qualquer cerimônia ela retira a mochila do meu ombro, então abre a própria bolsa, pega a carteira e tenta colocar dinheiro em minhas mãos ao mesmo tempo que seu marido faz menção de tentar impedi-la, mas ele não se move e eu não aceito o dinheiro. Ela obviamente quer que eu vá embora e isso só me dá mais vontade de permanecer ali.

ThornLhong - Uma História do Universo LBCOnde histórias criam vida. Descubra agora