É noite na Floresta Negra e Narem, a drow, está caçando. A noite é sua aliada, sua visão e audição estão perfeitas. Sua presa está próxima, ela pode vê-la perfeitamente, é um javali. Pegar esse animal significa carne para agora e para o dia vindouro, além de um bocado para vender – nada mal, já era hora de algo dar certo – pensa a elfa negra enquanto escolhia um lugar mais adequado para não assustar sua caça.
Após encontrar um arbusto relativamente alto e certificar-se de estar contra o vento, ela se concentra e pega seu arco, sua flecha e faz a mira. Sua respiração sincroniza-se com as batidas do seu coração, apesar de fazer isso há tempos, sempre é uma experiência única. A noite lhe aguça os sentidos e ela consegue sentir os cheiros, a leve umidade no ar e a mistura de sons que a vida noturna e as folhas das árvores balançando ao vento proporcionam. Ali ela se sente bem.
A luz do luar que consegue tocar o chão, através da densa folhagem, cria um ambiente lindo com um toque místico também. Com tudo isso inundando seus sentidos, Narem solta à respiração e lança a flecha!
Por um instante, logo após atirar a flecha, a elfa negra se deu conta de ter se esquecido dum detalhe fundamental: ela não é a única predadora noturna da Floresta Negra. Ursos-Coruja, lobos brancos e uma infinidade de outros animais de hábitos noturnos habitavam a floresta. Ela não procurou por outros predadores, preocupou-se apenas com a caça e não percebeu que um grande lobo branco também escolhera o mesmo alvo.
Narem havia lançado uma flecha certeira no javali, mas quem fora atingido foi o lobo. Com um uivo sofrido de dor preenchendo o ar, já denso, e fazendo pequenos animais nas árvores agitarem-se, o animal vira-se lentamente, respiração pesada, presas à mostra, um local um pouco acima da escápula, no lado esquerdo, sangrando e com uma flecha encravada. A tensão era palpável e a drow percebeu imediatamente que agora ela era a caça.
- Mas que merda! – Pragueja, preparando-se para uma luta que ela não queria travar. Um risco desnecessário. Mas antes que muita coisa pudesse ser feita, a fera avança e chega perto... bem perto! Sua bocarra passa direto, mas as garras da pata esquerda encontram carne, cortando levemente a perna direita da elfa – Ahrgh! Mas que droga!
O corte só não fora mais profundo por que ela, instintivamente, esquivara-se alguns centímetros. Ela sente um pouco de dor, um pequeno incômodo. O lobo rosna e se prepara para mais uma investida, presas ainda mais à mostra, agora que sua caça agora está ferida, lambe sua pata banhada com um pouco de sangue drow. Narem está atenta a tudo: atenta à sua dor, aos sons ao seu redor e ao movimento quase hipnótico que a luz do luar faz ao tocar o chão forrado de folhas da floresta. Ela entende que terá de atacar – Espero que você me perdoe, de verdade.
Com um pequeno salto para trás, Narem toma um pouco de distância, joga sua flecha no chão e saca a adaga da pequena aljava em seu cinto. Ela precisa ser rápida e certeira. Mesmo os sentidos superiores de uma drow podem ser sobrepujados pelo instinto e fúria de um animal faminto.
Com um rosnado, o lobo ataca! A boca enorme, salivante e de hálito quente, passa preocupantemente perto do rosto de Narem que, com maestria esquiva e enfia a adaga na barriga do animal. O impacto é o bastante para derrubar ambos, mas a forragem de folhas no chão absorve a queda. Ela não tem dificuldade em tirar seu braço e sua adaga de debaixo do lobo, que solta um último longo suspiro antes de morrer.
- Não acredito que vou jantar um lobo hoje – Resmunga Narem, que agora está fazendo uma pequena fogueira. Além de comer ela também precisa se aquecer e manter alguns animais afastados. A noite está adiantada e ela quer aproveitar para descansar um pouco antes de sofrer com a luz do dia, então ela caminhou um pouco arrastando o pesado animal até encontrar um local bom para ficar. Ela escolheu uma pequena clareira perto de um rio.
A fogueira estava acesa e adaga pronta para começar a preparar o lobo, mas Narem sentiu que um oponente como ele não merecia esse destino – É amigo... vou te enterrar dignamente. Usando sua adaga, ela cavou uma cova não muito funda e ali enterrou o lobo que deixou seu javali fugir. Após lavar as mãos ela pegou uma flecha e entrou no rio para pescar. Após sentir seu próprio cheiro ela decidiu aproveitar para tomar um banho, então passou um tempo observando o seu redor para garantir que ninguém apareceria e a pegasse desprevenida.
Algum tempo depois, de banho tomado e pescaria feita, ela estava sentada numa raiz grossa de uma árvore antiga, assando um peixe gordo e esquentando as mãos – Espero que o cheiro não atraia mais lobos – pensou. Narem aproveitou aquele momento de tranquilidade para observar o ambiente e pensar sobre sua longa vida.
Ela não se lembra da sua infância antes da família humana que a criou. Ela sabe que foi deixada lá, mas não sabe por quem. Ela lembra que os vinte primeiros anos foram muito difíceis, pois estavam caçando os drows, aquele período era conhecido como "Expurgo". Seus pais humanos pouco lhe contaram sobre o que levou àquele evento, eles diziam apenas que foi por algo que drows maléficos fizeram e que causou a destruição do reino dos elfos nobres e e da grande cidade humana de Alexandria. Após a morte dos seus pais, ela saiu do vilarejo onde viveu, apesar das dificuldades, e passou a vagar por elísea, passando a maior parte do tempo escondendo-se em cavernas ou nos locais mais sombrios da Floresta Negra, interagindo muito pouco com outros seres. Com o tempo ela descobriu mais coisas sobre o que ocorrera antes do Expurgo.
As lembranças foram embora quando o ronco do estômago a trouxe de volta à realidade e ela viu que o peixe estava no ponto. Narem apressou-se em comer, queria dormir um pouco antes de o sol nascer e deixa-la debilitada. Apesar de tantos anos vivendo na superfície, o sol ainda lhe prejudica. Um traço racial que o tempo não apagou. Drows não dormem a noite, mas ela adaptou-se a descansar sob a lua para poder acompanhar o ritmo dos humanos e demais raças. A situação ideal seria dormir durante o dia, mas nada é ideal por aqui.
Ao longe, seguindo o rio a oeste, Narem ouve sons vindos da cidade mais próxima, Sweetriver, sons de gritos e algo parecido com risadas – Humanos... sempre festejando – pensou. Mas o calor confortável da fogueira e o som da correnteza fizeram-na relaxar e esquecer daquilo. Instantes depois, finalmente, ela adormeceu.
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Ascensão Vermelha - Os Tomos dos Deuses: Livro 1
FantasyNarem é uma drow que busca uma vida tranquila em um mundo que a rejeita, mas durante uma de suas muitas andanças ela chega na pequena cidade pesqueira de Sweetriver e o que ela encontra ao chegar pode mudar a sua vida e também significar um perigo m...