Capítulo 2 Camila Estrabão

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Camila Estrabão olhava para o gesso que envolvia sua perna esquerda, da coxa ao grande artelho. Mas, se continuasse olhando para a cara das pessoas que rodeavam seu leito de hospital, iria explodir.

— O que aconteceu foi uma mensagem dos céus, Camila — sua mãe ia dizendo. — Uma mensagem. Venho repetindo a mesma coisa há meses, mas você recusa me ouvir. Então alguém lá de cima falou mais alto. Seu lugar é nos negócios da família com sua irmã, e não ensinando ginástica e sofrendo acidentes.

— Minhas aulas não tiveram nada a ver com o que aconteceu, mamãe — Camila explicou. — Tropecei nas escadas em minha própria casa. Caí e quebrei a perna. Não vejo mensagem nenhuma nisso, exceto que fui descuidada. Deixei uma revista no chão e escorreguei.

— A mensagem — Sinuhe Estrabão disse à filha — é que seu impedimento físico se prolongará por muito tempo, Camila. E você ficará fora do cenário durante semanas. Não poderá ensinar sua preciosa dança, mesmo querendo. Poderia haver melhor ocasião para ajudar Sofia no trabalho? 

Camila olhou para a irmã e disse: — Sinto muito, Sofia. Mas não posso ajudar você.

 — Por que não, Kaki? Você estudou nas mesmas escolas em que eu estudei, recebeu a mesma educação. — Sofia queria pressioná-la.

— Não tenho seu temperamento, Sofia. Nunca tive.

— Temperamento não tem nada a ver com o caso — Sinuhe protestou. — Você escolheu o caminho mais fácil, Camila. E veja no que deu. 

Camila fechou os olhos e afundou a cabeça no travesseiro. Quatro dias de confinamento naquela cama deixaram-na fraca, e isso a perturbava. Não agüentava mais de vontade de tomar um banho de chuveiro; mas isso estava fora de cogitação.

— Mãe — ela disse — já falamos sobre esse assunto centenas de vezes. Você e papai podem ter sonhado com uma corporação familiar, mas não passou de um sonho de vocês dois, não meu. Não fui feita para esse tipo de trabalho. E monótono demais. Tentei uma vez e foi um desastre.

— Só durante oito meses — Sinuhe comentou — e há muitos anos.

— Sua mãe tem razão, Camila. — Agora falava o tio que estivera silencioso o tempo todo, em pé ao lado da cama. — Você havia se formado na universidade e tinha grande potencial. E muito dedicada, como seu pai. Apenas não permaneceu na firma o tempo suficiente.

— Eu me conhecia, tio, e me conheço agora. Não fui moldada para o mundo dos negócios. Emocionalmente não dá. Reuniões de diretoria, conferências, almoços acompanhados de drinques, jantares com clientes, não combinam comigo! Detesto tudo isso.

— Agora está sendo melodramática — a mãe censurou-a. 

— Talvez. Mas é como sou, e não há lugar para melodramas na Estrabão Inc.. Por favor, então, deixem-me fora disso.

— Queremos você, Kaki — Sofia insistia. — Preciso de você. Acha que tenho mais capacidade do que você para dirigir uma corporação?

— Ao menos gosta do trabalho.

— Se gosto ou não gosto, não importa. As coisas vão mal desde que papai morreu. 

Desde que papai morreu. Aí residia todo o problema. Há seis meses Alexandro Estrabão morrera enquanto dormia, ignorando que aquilo que criara com amor provocaria tanta agitação.

Camila sussurrou, antes de fechar os olhos:

— Acho que essa conversa não leva a nada. Penso que o motivo pelo qual os negócios se transformaram após a morte de papai é que nenhum de nós tem a visão necessária para um empreendimento desse porte. Estrabão Inc. necessita de um auxílio de fora. E simples.

Naquela IlhaWhere stories live. Discover now