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Eram oito da manhã, seus olhos cor de chocolate se perdiam pela janela, sonhando acordada com uma nova vida, um novo destino, com um milagre que nunca aconteceria.

Fazia cerca de uns dois ano desde que sua professora percebeu que algo estava errado com ela, apesar de seus esforços para esconder o inferno que era sua vida de todos. Mary Margaret foi muito atenciosa e assim que entrou na sala de aula, no primeiro dia de aula, soube que tinha problemas.

Ela nunca quis interagir com seus companheiros, eles a olhavam como se ela fosse um fantasma, riam e murmuravam quando ela passava, chamando-a de bruxa, coitado, e qualquer adjetivo nocivo que viesse à mente, insultos que caíam em ouvidos surdos já que sua mente era longe do absurdo do seu dia a dia na escola.

Apesar dos testes mostrarem que sua inteligência estava acima da média, Regina não prestava atenção em nenhuma aula, reprovava e não fazia nenhum esforço, sua visão da própria existência sempre foi derrotista, todas as manhãs ela acordava com certeza que ia morrer, que não saberia parar, que acabaria o seu tormento, foi para a escola e olhou pela janela, olhou as pessoas que passavam imaginando como seria a vida delas, se fossem felizes, se conhecessem a palavra amor, ela havia esquecido o significado dessa palavra.

Lembrou-se de como sua professora, aos poucos, foi ganhando sua confiança, de como ela foi a única a quem se atreveu a contar sua história, do inferno que viveu tantos anos, falava do medo, do cheiro forte de uísque que anunciava um novo golpe, ele falou de pesadelos, de morte, com lágrimas nos olhos. Mary Margaret sentiu desde o início que algo estava errado com Regina, mas sabendo da verdade, vendo seus golpes escondidos pelo largo moletom, sabendo que o inferno em que a menina vivia a empurrava para buscar ajuda imediatamente, ela foi a primeira a convencê-la que deveriam ir à polícia e denunciar os maus-tratos e, apesar de Regina tremer de medo, concordou em ir até a professora. Após a denúncia, a polícia mal ouviu, alegando que tinham coisas mais importantes para tratar e que os serviços sociais estavam tratando dessas questões. Mary Margaret arrastou-a até o escritório que haviam indicado na delegacia, tentando em vão fazer com que atendessem, tornou-se um costume ir todos os dias depois das aulas para tentar ser ouvida embora Regina soubesse que era em vão, ela só tinha que procurar ao seu redor e vendo a quantidade de crianças sem-teto que precisavam de ajuda, ela não era ninguém naquela multidão, não precisava receber tratamento especial.

Com o passar do tempo e as visitas aos assuntos sociais foram fúteis e inúteis, Regina entendeu que ninguém jamais a ajudaria e, a partir da tarde anterior, se convenceu de que era idiotice voltar para lá.

Ele ainda se lembrava dos olhos verde-azulados daquela mulher, do desamparo em seu olhar por não ser capaz de fazer nada por ela. Nesse olhar ela viu seu destino, ela sabia que estava perdida, que ninguém jamais iria ajudá-la, que seu pai seria seu carrasco mais cedo ou mais tarde.

O sino tocou anunciando o recesso, três horas se passaram de uma vez, tão perdida em seus próprios fantasmas que ela não percebeu a passagem do tempo. Seus colegas saíram rindo e brincando, deixando-a sozinha na sala de aula, ela preferia assim, ficar sozinha olhando pela janela e sonhando acordada, sonhar era o único luxo que ela podia se permitir.

De repente, o cheiro fresco de jasmim que Mary Margaret exalava a atingiu e um sorriso tímido apareceu em seu rosto ao notar que ela estava bagunçando amorosamente o cabelo. Ele se virou e fixou seu olhar nos olhos claros de sua professora, sentando ao lado dela e entregando-lhe um sanduíche. Naquele momento seu estômago roncou lembrando-o de que não comia desde o dia anterior e ela pegou a comida após um tímido agradecimento sussurrado. Enquanto ela comia, a professora quebrou o silêncio iniciando uma conversa com ela, como costumava fazer em praticamente todos os intervalos.

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