1 MÊS

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Havia um quadro esquisito no consultório da Dra. Marcela.

Rafaella olhava para ele desde que entrou no estabelecimento. Umas tonalidades de azul, rosa e roxo se misturavam em um formato impossível de ser descrito.

Aquele era, sem sombra de dúvidas, o quadro mais sem sentido que ela já havia pregado os olhos. Mas, por mais que tivesse muito interessante observar os detalhes daquele ambiente, o barulho vindo da porta de entrada tirou completamente sua atenção.

– Miguel, não preciso que você controle a minha agenda.

O cabelo foi a primeira coisa que notou. Era escorrido e grande, combinava com ela. Suas roupas eram bonitas também, ela reparou. Pareciam feitas sob medida. Por mais que não soubesse quem era, sentiu a presença da mulher assim que ela se aproximou – e também porque ela falava alto demais ao telefone para alguém não perceber.

Depois de duas frases ditas ao recepcionista, – ouviu o nome Bianca. Combinava com ela também – ela se aproximou ainda mais, sentando ao seu lado na fila de espera. Era tão próximo que Rafaella conseguia ouvir a pessoa do outro lado da linha. Era a voz de um homem.

"Amiga, eu sei que você não precisa de alguém te enchendo o saco, mas esse é um assunto importante. Você está indo finalmente pegar os exames pra saber se está grávida, não é qualquer coisa."

– Eu sei, eu sei. Mas já cheguei no horário, tá bom? Ninguém precisa saber que eu quase perdi a hora porque estava tirando um cochilo. – Bianca tentou falar mais baixo, mas de nada adiantou, afinal, eram só as duas e o recepcionista que estavam naquela sala, dava para ouvir absolutamente tudo que alguém falasse – Eu vou desligar, já vai dar a hora da minha consulta.

E o final da ligação foram inúmeros beijos e "te ligo mais tarde" com algumas risadas. A risada dela era bem estranha, era impossível não perceber.

Bianca ficou por vários segundos apenas olhando o ambiente. E, quando a outra pensou que ela era do tipo calada que não puxava assunto com estranhos, soltou a seguinte frase:

– Você vê um unicórnio? – Rafaella se assustou e a olhou como se pensasse que ela falava outra língua – Desculpa, estou falando da pintura. Você vê um unicórnio?

Obviamente não pensou nisso. Será que parecia? Não era a pintura mais realista do mundo, as cores estavam todas jogadas em ordem aleatória, não era possível ver muita coisa, a não ser que você estreitasse muito os olhos e, é claro, usasse muito a imaginação. Mas Rafa não sabia como entrar na brincadeira – nem sabia se era uma.

– Era pra ser um unicórnio? – foi a resposta mais sincera que conseguiu dar, apesar de ainda ser uma pergunta.

– Pois é, né? Eu perguntei a mesma coisa pra Marcela quando ela decidiu montar o consultório e quis colocar detalhes de unicórnio, foi por isso que comprou esse quadro. Na verdade, não sei porque ela pediu a minha opinião pra essas coisas, meus amigos vivem dizendo que eu sou meio brega no assunto decoração.

Ela falava demais. E tinha o sotaque definitivamente carioca. O puxão no "s" dava pra reconhecer em qualquer lugar.

– Desculpa, eu nem me apresentei. Meu nome é Bianca.

– Rafaella. – respondeu com simpatia sincera – E sobre o quadro: eu não vejo nada, achei que eram cores aleatórias.

– Na verdade, são cores aleatórias. Foi o que eu disse pra ela. – revirou os olhos e riu. Rafa não sabia exatamente a relação da doutora com Bianca, mas dava para perceber que eram bem próximas, talvez amigas.

– A Dra. Marcela tem um ótimo gosto. Eu achei incrível a decoração.

É claro que estava sendo educada. Marcela também era um pouco brega. A sala inteira era em tons de rosa, azul e roxo. Uma mistura que daria uma ótima combinação, mas não era o caso dali. Porém, o consultório era localizado em um bairro nobre de São Paulo e era nítido que a médica não passava por nenhuma necessidade, então a decoração ruim não influenciava em nada.

– Imagina se visse a decoração da minha casa então, tenho certeza que não ia conseguir segurar a risada com a breguice daquele lugar. – ela ria muito do que falava e Rafa ria um pouco junto. Não por ter tanta graça, mas porque era uma risada muito contagiosa e, para ser sincera, Bianca parecia ser muito simpática. – Estou falando muito, né? Acho que é o nervosismo, porque daqui a pouco vou saber finalmente se serei mãe ou não!

Foi a primeira vez que Rafaella olhou pra ela com mais atenção. Desde que Bianca chegou, não havia parado pra pensar que ela estava ali por algum motivo e que existia a possibilidade de ser o mesmo que o seu: será que Bianca também queria tanto ser mãe como Rafa queria?

– Tudo bem, também estou bem nervosa. Estou aqui pra pegar o mesmo exame. – confessou antes que pensasse demais em qual resposta seria melhor naquele momento.

– Eu tô sem dormir há dias direito por causa disso. Quando a Má me ligou dizendo que o exame estava pronto eu surtei, sabia? Parecia que meu coração ia sair pelo boca!

– Tenho certeza que vai dar tudo certo. Eu quero muito ser mãe, essa é a primeira vez que eu tento. – era como se ela e Bianca fossem amigas há tempos naquele breve período de tempo, se sentia um pouco confortável para falar aquilo.

– Essa é a minha terceira tentativa. Dizem que essa é a da sorte. Pensei que ia me acostumar a fazer o mesmo procedimento e esperar para saber o resultado do exame, mas parece que tudo piora, estou mais nervosa do que da última vez. – ela sorri esperançosa – Tenho certeza que vai dar tudo certo pra você também, conheço muita gente que conseguiu de primeira.

Antes que Rafa desse qualquer resposta agradecida, o recepcionista interrompeu a conversa para anunciar que era sua vez de entrar na sala da doutora. Com o coração palpitante e um sorriso no rosto, ela agradeceu.

– Boa sorte! – Bianca falou, mostrando os dois punhos para cima em sinal de torcida.

– Para nós! Você é a próxima. – sorriu agradecida e entrou na sala.

O consultório de Marcela era pior que o resto do ambiente: ainda mais brega e cheio de cores que não ornavam. Mas esse era um ponto em que Rafaella não estava focando, pois a única coisa que conseguia pensar era na resposta que a doutora teria.

Por mais que confiasse em todos os seus sentidos, a ansiedade não saia do seu corpo. O coração palpitava a cada passo que dava até a cadeira em frente à Marcela.

– Oi, tudo bem? Como você está? – abriu um sorriso assim que viu sua paciente.

– Estou bem... nervosa.

– Bom, imagino que esteja ansiosa. Não vou fazer rodeios. Aqui está seu exame. – mostrou o papel em sua mão – É claro que posso te contar, mas a maioria dos pacientes gosta de ver, então imagino que também queira. – Marcela entregou o papel em suas mãos e esperou. Seu rosto era calmo demais, nenhum rastro de positividade ou negatividade para dar alguma pista.

Rafaella abriu o papel devagar, com a maior calma que conseguia, pois sabia que rapidez só iria deixá-la pior. Ela era do tipo que gostava de fazer tudo com calma. Ao desdobrá-lo pela última vez, olhou para a doutora novamente, mas ela continuava com a mesma expressão. Esse era o sinal para continuar.

Por fim, abriu. Correu os olhos por todo o exame. Lá estava, em tom negrito para realçar o destaque.

Positivo.


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23 de novembro | RABIAOnde histórias criam vida. Descubra agora