Haviam se passado semanas desde a última vez que eu obti a chance de impregnar minhas narinas com o aroma urbano e o soar irritante do tráfego matinal. Para a minha surpresa, o primeiro reencontro com o mais próximo que eu tinha de natureza não foi nada familiar, me deparei com uma abrangente omissão de sinais humanos na ilha de calor claustrofóbica que eu residia. Em todos os meus pequenos anos de vida nunca presenciei tal projeção da realidade, uma paralisação total que insistia se hospedar na minha cidade. Tudo o que restara foi a dança constante da brisa suave que deslizava entre o aglomerado de prédios e forçava os resquícios incivilizados de uso humano a rolarem entre o asfalto. Entrementes, as ruas ainda continham os vestígios da última primazia, pequenos folhetos de ilusão fabricados com o intuito de preservar a quimera em território nacional e intrujar os votantes com uma ideia que teimava permanecer em Pravus.
Aquele parecia ser o cenário perfeito para uma série pós-apocalíptica, até os ratos já se escondiam em suas tocas e nem você, querido leitor, iria ter vontade de esperar pelo que projetaria de um beco escuro naquela situação. Com isto posto, qualquer comércio o qual no suspiro pasmo estava aberto, fingia estar inativo para evitar contato direto com aquela realidade.
Apesar disso, eu me aproximei sorrateiramente do único mercado disponível em um raio de alguns metros do meu imóvel para abastecer-me com alguns suprimentos essenciais. Uma velha locação de enlatados e produtos estáticos a qual o dono robusto estava sob a bancada distenso, posto os pés para cima aparentemente assistindo com atenção as boas novas da TV pelo visor virtual. Eu entrei sem nem mesmo ser vista, coletei bruscamente toda a minha lista dentre o labirinto de estantes e despojei-as no caixa enquanto ouvia nuances de vozes jornalísticas vindas daquele pequeno equipamento que envolvia o campo de visão do homem. Supliquei mentalmente pela possibilidade de não precisar chamar a atenção dele até que o soar metálico do encontro de produtos com a superfície alcançou a audição do mesmo, após isso, custou para aquele proprietário desfazer a posição que confortavelmente tinha se imobilizado ao tempo que resmungava de maneira inaudível, ele ajustou o emaranhado de fios da cabeça retirando o eletrônico da face antes de cravar um olhar atento, analisando-me por inteira como se tentasse decifrar o meu histórico de vida pela minha aparência.
— Uma garota como você deveria ter a simpatia de permanecer em casa. — Ele coçou o queixo e adotou uma postura sublime diante do meu silêncio. — Não tem acompanhado as notícias? O programa de ontem a noite relatou ao vivo toda uma análise científica sobre os casos e pautou com detalhes os riscos da epidemia.
— Apenas ousei sair da minha privação para comprar fornecimentos. — Indaguei imersa em tranquilidade, sob um tom sereno de pouco volume, insistindo a permanência da minha zona de conforto e aconchegando minhas mãos dentro do bolso. — Tal exigência que nenhum outro poderia fazer por mim.
Sem abrir espaço para a introdução de outro assunto, eu saquei o cartão dessa mesma abertura do casaco e paguei a conta em moedas virtuais. Coisa essa que me admirou, pois ao contrário do mundo todo, o país só havia habituado pagamentos em criptomoedas para os comércios há pouco tempo, e nem acreditei quando firmou-se a transação no eletrônico.
Sendo assim, ao tempo que nossa comunicação tornava-se estreitamente comercial, uma senhora adentrou o mercadejo e freneticamente começou a colher alguns produtos. De modo conjunto, o senhorio buscou em sua memória algumas palavras de cunho político, os quais cemiserrei com certa discrição.
Como um vulto sob os véus noturnos, busquei ausentar-me o mais depressa possível, fincando todas as compras em minha vestimenta enquanto sentia o afastamento do comércio em um vácuo contínuo. Ao simples desdobramento em uma esquina, o sonido das sirenes autorais ecoaram imersos na minha audição e logo pude ouvir as súplicas de indignação da senhora que acabara de ver, assim como a resulta da falta de abstenção do comércio.
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SPES: The game
RomanceHá várias décadas, a Província de Pravus é um país de população imersa em uma deficiência de virtudes. Os pravusianos, assim chamados, são povos antiéticos , reféns de sua própria ignorância e incapazes de abrirem os olhos quanto o auto-reconhecimen...