Prenúncio do Caos

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"Geralmente as pessoas que chegam de mansinho são as que causam mais estragos— Edvan Santos

Tons de vermelho sangram no céu, os de opala, água-marinha e azul celeste, fundem-se aos roxos mais escuros das nuvens espessas e delgadas. Além do som. Rajadas de ventos impetuosas colidiam contra as árvores e arbustos em volta da fazenda, engolindo a área como um tsunami forte e avassalador. Era  como se o tempo estivesse se organizando para dar as boas-vindas a uma grande tempestade, mas Benjamin sabia que o que estava por vir, poderia ser muito pior que um temporal. A natureza parecia conceber uma paisagem que fizesse alusão direta com o seu espírito nas últimas semanas. Sua alma parecia dividida entre as cores vibrantes no céu, e os sinais de alerta em forma de tempestade que sua mente afoita o enviava.

Encarou a densa camada noturna soterrar as colorações que cobriam o céu, desejando retornar ao tempo em que suas únicas preocupações eram voltadas a sobrevivência, mas andava distraído, perdido em uma torrente de pensamentos que lhe deixavam desatento ao ponto de aparta-se do que acontecia à sua volta. Os dias transcorriam estranhos, algo estava diferente na fazenda e ele não sabia como receber essa mudança. Estava começando a se incomodar com as proporções que seus mais irrelevantes sentimentos estavam tomando em relação a Rey.

Ben queria poder dizer que aquilo não estava o afetando, que foi inteligente o bastante para ignorá-la e seguir seu caminho, mas isso não aconteceu. A verdade é que ele não se importa de ser manipulado, ou de vê-la agarrar as rédeas de sua vida de maneira lenta, guiando ambos em direção ao fundo do precipício que por tanto tempo ele evitou despencar. Pensou que a constante exposição aos perigos deste novo mundo havia lhe preparado para se proteger de ameaças iguais a Rey, uma vacina de resposta imunológica eficaz contra uma doença específica que tentasse infectar seu organismo. 

Aos poucos, porém, ele começa a compreender que talvez não possua os anticorpos necessários para se defender dos sintomas que ela incitava nele. Seu corpo gostava demais das sensações que eles provocavam para se dedicar a combatê-la, entorpecidos, seus instintos básicos encontravam-se mais aflorados do que nunca, alucinados pela bondosa mulher que os concederam a chance de brincar no playground novamente. Toda vez que uma breve emoção flamejava, por mais minúsculo que fosse, tratava de condenar e enterra-lo na mais profunda lacuna de sua alma. Ainda assim, a convivência com ela o deixava mais debilitado, a mercê de seu poder e influência, de modo que resistir se tornava uma tortura dolorosa.

Se perguntava em qual momento daquelas quatro longas semanas, após o episódio na cachoeira, ele havia se tornado tão desleixado com sua própria segurança; quando a simples cogitação de viver naquela fazenda sem a presença dela passou a ser tão incômodo. Nunca havia se passado por sua cabeça que o isolamento supérfluo, o qual ele pensara ser a sua melhor defesa contra o mundo externo, na verdade, seria a sua maior fraqueza. Fora relativamente fácil para Rey perceber o fato de imediato? Ben era um homem tão previsível de se ler assim?

A raiva despertou nele.

Ela o desarmou em pleno campo de batalha, sem avisos ou movimentos bruscos, deixando-o ajoelhado sobre o solo salpicado de sangue e cadáveres, com as mãos vazias ao lado do corpo, vulnerável, enquanto observava o inimigo de armadura dourada se aproximar montado em seu alazão, esperando pelo golpe final que ceifaria a sua vida. Rendido; era a única palavra que ele conseguia pensar para definir aquela situação. Mesmo agora, em meio a tantos pensamentos conflituosos, o olhar dela era tudo o que ele conseguia se lembrar. Aquele olhar castanho esverdeado penetrante que ele tinha visto sobre si, quase o fazendo perder o fôlego.

Ainda assim, ele sabe que não deveria prolongar a estadia dela mais que o necessário ali. Havia provavelmente uma centena de boas razões — como, por exemplo, o fato dela estar escondendo segredos inquietantes, ou de que sua vida já era complicada o suficiente, sem qualquer necessidade de começar a acrescentar estranhos nela. Mas havia algo em Rey que ele não conseguia resistir. Desde que cedeu as suas investidas na cachoeira, ela tinha o controle absoluto. Sem olhos incertos, sem perguntas ansiosas sobre o que ele pensava, queria ou gostava. Nenhuma decisão a tomar — tudo já estava decidido. Tudo o que ele precisava fazer era relaxar e se divertir.

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⏰ Última atualização: Aug 27, 2020 ⏰

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