Capítulo V

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A chuva parou totalmente pela manhã. O bruxo conseguiu algumas horas de sono, mas assim que o sol nasceu, já estava em pé, de banho tomado e cabelos arrumados. Em dias comuns, ele deixaria a limpeza para mais tarde e daria prioridade para encher a barriga com o desjejum do Camaleão, que era um dos melhores da cidade, porém, o plano desta vez era outro e precisava estar o mais apresentável possível. Era tolice, ele sabia bem, mas o bardo nunca escondeu o contentamento com banhos e perfumes, e deixá-lo confortável ao seu lado era uma prioridade.

Ele se olhou no espelho e quase revirou os olhos. Não era de seu feitio, não gostava sequer de olhar o próprio reflexo, mas o fazia da mesma forma, tolamente preocupado com o que o bardo iria achar. Tolo até demais, ele pensou mais tarde, quando encontrou Jaskier tentando subir as escadas com dificuldade. As pernas ainda estavam enfraquecidas e o corpo estava dolorido, então sequer notou a aparência do bruxo, ou escondeu muito bem. Ele abaixou o olhar, ignorando-o completamente; as mãos apertaram o corrimão com mais força enquanto subia, orgulhoso demais para pedir a ajuda de quem o observava alguns degraus acima, mas pensando se deveria gritar pelo socorro de uma das garotas que ensaiavam lá em baixo — o Camaleão logo reabriria. Mas os lábios permaneceram fechados, e se apertaram um no outro quando a ajuda não requisitada veio.

— Deixe-me ajudá-lo — Geralt disse, evitando dar a entender que era uma pergunta.

Com cuidado, um dos braços deslizou pela cintura do bardo, que tentou resistir no início, mas a recusa durou pouco. Ele logo aceitou ter o braço guiado para se apoiar nos ombros largos, mas, ainda assim, manteve o olhar em qualquer lugar que não fosse Geralt.

Os passos foram vagarosos até o último andar, houve bastante tempo para começar um diálogo, mas a maneira tensa com que o bruxo o sentia em seus braços o fez recuar em todas as vezes em que pensava em tentar. A bela porta do melhor quarto do Camaleão foi alcançada e Jaskier se apressou para se afastar. O baixo som do agradecimento estremeceu o bruxo, que viu ali a oportunidade para também falar, porém, assim que os lábios se separaram, o bardo fechou a porta com certa força, quase batendo em seu rosto. Geralt juntou as sobrancelhas quando o rápido choque passou, e a mão se moveu para tocar a maçaneta, porém, o som da tranca do outro lado o fez parar e abaixá-la com derrota. Ele soltou um suspiro cansado e deitou a testa na porta. Aquilo seria mais difícil do que havia imaginado.

Os degraus foram encarados com desanimo, mas ele os desceu mesmo assim. De nada adiantaria ficar parado na porta do quarto do bardo, isso só o faria ficar trancado ali por mais tempo. Com a ideia de deixar os ânimos se acalmarem e a raiva de Jaskier esfriar ao menos um pouco, ele não voltou a subir. O desjejum foi feito ao lado de Ciri e Zoltan, mas ele apenas os ouviu. Não houve conversa de sua parte, e os outros dois não o forçaram a falar, deixando-o à vontade, assim como nos dias que se passaram.

Jaskier continuou no quarto, descendo apenas quando tinha certeza de que o bruxo estava fora. Neste tempo, Geralt descobriu que o bardo não estava instalado no Camaleão apenas para se recuperar e levantar o seu comercio novamente; com a falta de movimento que viera com a ameaça dos homens de Wiley, o bardo havia sido obrigado a deixar sua casa alugada no centro. As despesas tiveram que ser cortadas, e foi o outro motivo além da pressão dos bandidos para que fechasse as portas do cabaré. O bruxo ficara incomodado com isso, e a ansiedade para conversar com Jaskier aumentou ainda mais.

Em uma tarde após um simples contrato, ele retornou para o cabaré e o bardo estava no salão. Os olhares se encontraram, e demorou um pouco mais do que vinha sendo costume para Jaskier desviar sua atenção para outra coisa. O bruxo podia jurar que naquele instante o seu coração passou a bater como o de um humano comum, mas não teve tempo para animações quando o viu se esconder rapidamente na cozinha, o evitando novamente.

Pelo Ouro e o TrovadorOnde histórias criam vida. Descubra agora