Capítulo II

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Ele não parou. Plotka estava dando sinais de exaustão e sentia o próprio quadril doer enquanto a língua se movia dentro da boca seca, mas Geralt não pensou no bem-estar de nenhum dos dois, e só deixou as pernas exaustas da égua descansarem quando passou pelos portões de Novigrad. Daquele lado, costumava não ser preciso muito para ouvir o Camaleão agitado com sua música e clientes, e por isso seguiu a pé, com passos apressados e pesados. Ele não pensou muito no clima escuro que anunciava a chuva próxima, sequer que algumas pessoas o olhavam com curiosidade, e outras até mesmo cochichavam nos ouvidos umas das outras. O bruxo estava ocupado com a preocupação que vinha do silêncio naquela parte da cidade. Não havia flautas ou alaúdes, sequer os sons dos copos batendo nas mesas e a cantoria.

Geralt subiu os dois degraus que iniciavam o cabaré, e foi recebido pela porta trancada. As sobrancelhas claras se juntaram, e andou para o lado, tentando olhar através da janela, porém, a grossa cortina cobria quase toda a visão, impedindo-o de bisbilhotar o estabelecimento de Jaskier. Eu sabia que alguma coisa havia acontecido. O bruxo se xingou enquanto dava um passo para trás, para olhar o letreiro ainda pendurado. "O Camaleão" estava escrito com uma bela caligrafia, e se mantinha limpo e bem cuidado, o que o fez estranhar a situação ainda mais. Jaskier estava viajando ao seu lado há algum tempo, e mesmo com o jeito estranho do bardo que escondia alguns de seus passos, foi fácil descobrir que antes do encontro de ambos, ele não estava na estrada há pouco.

Não era raro para o bardo deixar o cabaré nas mãos de terceiros para partir em suas aventuras, porém, havia algo que soava estranho naquela porta firmemente trancada em horário comercial, o que fez Geralt cogitar a ideia de derrubar a madeira com o pé. Ele não podia perder tempo e não pensou em nenhum contato que poderia ter em comum com Jaskier, para que abrisse o local de uma maneira menos violenta e que causaria menos reclamações no futuro, então se aproximou da porta novamente. Lá dentro poderia haver pistas para o bardo insistir tanto em acompanhá-lo até mesmo no banho, como se temesse estar sozinho.

O pensamento nas atitudes de Jaskier o remeteu aos olhares que recebia durante aqueles momentos na banheira, o que fez seu corpo esquentar levemente e em um momento totalmente inapropriado. A culpa e preocupação se misturaram com o desejo de tê-lo ao lado novamente, fazendo-o perder alguns minutos dentro da própria cabeça, mas a distração acabou servindo para receber o salvador da pobre porta. Antes de Geralt ter a chance de levantar o pé, sentiu uma presença logo atrás. As sobrancelhas se juntaram e rapidamente deu as costas para a entrada do cabaré. Com o queixo erguido ele viu o nada, mas ao tocá-lo no peito, soltou um breve suspiro e largou o punho da espada que nem ao menos havia se dado conta que segurava.

— Geralt!

O bruxo se aproximou, sorrindo de uma maneira tão fraca que quase passava despercebido.

— Zoltan.

Ele se abaixou para cumprimentar o anão, que deu fortes tapas em suas costas quando o breve abraço aconteceu.

— O que o traz até aqui, amigo? — Zoltan Chivay também sorriu, com a espontaneidade e a empolgação que as mutações de Geralt o impediam de ter.

— Eu não tenho tempo para trivialidades, Zoltan — O bruxo foi direto, alertando o anão quando rapidamente olhou para trás. — Você tem a chave?

— Sim, sim. Eu vim exatamente para isso, para abrir a porta — ele passou por Geralt enquanto balançava a cabeça. — Venho ao menos uma vez por dia, para ter certeza de que nenhum vagabundo invadiu. — Um molho de chaves foi tirado do bolso e Zoltan enfim abriu a porta. — Em pensar que o vagabundo quase foi você — ele riu divertido, mas a seriedade logo o tomou ao ver que o bruxo não o ouvia, e entrou no local apressado, mexendo em tudo o que via pela frente. — O que está havendo, Geralt? Onde está Jaskier? Eu pensei que ele estaria com você.

Pelo Ouro e o TrovadorOnde histórias criam vida. Descubra agora