- Guarde esse saco, idiota, chamará atenção na taverna. Se você perder uma só moeda, arranco suas bolas.
- Está muito irritado pra quem pode pagar a conta hoje. Acalme-se.
- Se fizer o que lhe pedi, poderei me acalmar.
- Uma trupe teatral chegou à cidade, o que acha de assistirmos à peça, será logo mais?
- Eu ouvi o John Vesgo comentar. Ao que parece, será uma tragédia. Não estou com humor.
A taverna estava cheia para o dia e horário da semana. A espuma das canecas escorria pela barba cerrada de homens. O balcão apoiava o peso de muitos bêbados, cuja embriaguez não os permitia sustentarem-se em pé mais. Logo acima do balcão, preso a uma viga de madeira em paralelo ao piso, havia um escudo com o emblema do exército agernornense. Abaixo, quatro homens bebiam. Os elmos descansavam sobre a mesa. As peças de armaduras, apesar do peso, não lhes dificultavam levantar as canecas. Um tinha a perna enfaixada a altura da canela. Do tecido, uma mancha vermelha aumentava de tamanho, ao passo que escurecia. O soldado parecia não se incomodar.
Os dois rapazes sentaram-se a uma mesa ao canto da parede do fundo. A pouca iluminação atendia a busca por discrição àquela noite. A jovem atendente aproximou-se com uma bandeja na qual repousavam duas canecas de cerveja.
- O que está esperando? Sirva-nos.
- Eu até os serviria, sabem disso. Mas o Enrico pediu pra não colocar nada de trás do balcão nas mesas de vocês se não mostrarem com que pagar.
Uma moeda surgiu de um dos bolsos e girou sobre as tábuas da superfície da mesa. Até que o lado com o valor se revelou.
- Ora, ora - arregalou os olhos a moça - os negócios sórdidos de vocês deram lucro.
- Pegue-a, Bernadete - apontando para a moeda. Fique com o troco. Ah, traga algo para comermos. Estou faminto.
A moça se retirou. Enquanto caminhava, utilizou a bandeja para ocultar-lhe as formas dos quadris.
- Tem um traseiro e tanto.
- Mas não é para o seu bico, você não daria conta de uma mulher como ela.
- E você daria?
- Não sei se notou que, de nós dois, eu tenho os músculos - fez uma pausa longa - e o cérebro.
- Sempre tão modesto. Não se esqueça que fui eu quem sugeriu retornarmos ao templo. Os seus músculos e cérebro não são nada sem a minha intuição e tato para farejar bons lucros.
- Intuição? Pelos Nosso Protetor, a cada dia que passa me convenço mais de que você tem peitos escondidos na camisa. Quer um jogo de cartas e uma bola de cristal?
-Vamos beber, a noite pede uma comemoração. Depois desse dia longo, merecemos. Tenho terra e mofo entre as unhas e as nádegas. Veja minhas mãos, têm calos em toda parte; e uns já estouraram. Agora sei porque se usa uma pá para abrir um grande buraco no chão...
- Fale mais baixo, imbecil. Quer anunciar a todos onde estivemos? Quer que eu chame um menestrel para compor uma balada? Ah, quer saber, é melhor não bebermos muito.
- Por quê? Qual a graça de vir a uma taverna se eu não puder entornar tantas canecas de cerveja quanto deseja minha sede?
- Beber demais hoje não me parece boa ideia. Você perde o controle sobre si. Temo que a sua boca fale mais do que os outros precisam saber. Além do mais, não esquecerei do dia em que a prostituta foi me procurar pela manhã para retirá-lo do quarto dela. No caminho, a desgraçada me falou que jamais havia deitado com alguém que blasfemasse tanto.
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Reino de Agenor
FantasiaEsse é um romance de fantasia medieval em que os capítulos, mesmo sob um nome só, estão divididos em começo, continuação e fim. A razão é tornar a leitura mais agradável. Agenor é uma cidade milenar localizada em uma península; e aquém da grande co...