Os apóstatas (fim)

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— Quando eu pude dar pela presença dele, já se encontrava ao meu lado. Houve tempo apenas de fechar o livro; porém, o som das páginas se chocando denunciou-me. O Conrad pediu o livro; e eu o entreguei. Ele previu as questões que me intrigavam àquele momento. Durante a expedição, meu bom amigo e eu não questionamos as razões de seu empreendimento. No entanto, os fatos absurdos presenciados exigiam uma explicação monossilábica que fosse. Ele, então, disse a seco, "O César está morto". O Leonard, agora vejo o porquê de ter dito, questionou, "Você o matou?". Nesse momento, levei a mão à cintura e me preparei para uma luta. O Conrad continuou, "Não se atrevam, posso muito bem matá-los sem a minha espada. Querem explicações? Pois bem, posso dá-las. Contudo, preciso ser breve. O meu já falecido companheiro e eu sabemos quem são. Dois apóstatas: fugidos do monastério do Vale Ensolarado. Desde a fuga, ao se esconderem nas tralhas da carroça dos malditos comerciantes, estávamos a persegui-los. Passaram pelo Vilarejo dos Menos Abastados, procuraram uma curandeira. Veja — ele estendeu a mão —, este não é o seu anel, Albert? Trocaram de vestes na Vila Pantanosa, caminharam por dias, até alcançarem os portões da Cidade de Agenor. Não se preocupem, nosso objetivo não é lhes dar o tratamento merecido. Estão contribuindo com algo maior do que vocês; e podem me ajudar a concluir essa tarefa. Há uma outra sala por aqui, onde jaz o Cálice da Verdade. Sabem as implicações dessa descoberta, não é mesmo? Ajudem-me e nosso Protetor se agradará de suas ações. Ao final, se quiserem, podem tomar seus caminhos, livres; e com um pagamento mais generoso do que o combinado". Reuni-me com o Leonard, discutimos e concordamos em ajudar. Afinal, não tínhamos muitas opções. O Conrad me deu o livro e solicitou que eu fizesse a leitura em voz alta. Na sala onde estávamos, havia uma sepultura vazia ao centro. Conforme eu lia, o nosso empregador analisava as imagens impressas na lateral. Interrompeu-me por um instante; e inclinou-se para dentro da tumba. Ouvi-o encaixar algo em alguma coisa; a parede lateral rangeu e se locomoveu. Atravessamos e seguimos por um estreito corredor escuro e úmido. Ao chão se acumulava poças de água das gotas que caíam do teto. Era possível ouvi-las se formarem e se precipitarem. Ao fim do corredor, havia um outro saguão. Desta vez, menor. De imediato, recuei diante do calafrio produzido pela memória da cena recente em lugar semelhante. Apesar de menor, o ambiente só se distinguia do anterior pela imagem da parede ao fundo; e pela presença de dois grandes blocos de granito abaixo da gravura. No desenho da parede, encontrava-se Ordinis e o seu irmão Chaos. A cena apresentava os dois deuses antigos na Batalha de Sangue. A minha atenção se prendeu aos dois blocos de mármore. Mesmo de onde eu estava era possível ver manchas escuras à superfície. O Leonard andava à minha frente, embora não me impedisse de observar o que se encontrava adiante. O Conrad recuara o passo. O que se sucedeu? Bom, deve imaginar. Levei um golpe potente na nuca e desmaiei.

— Com o nosso amigo incapacitado, coube a mim salvar o dia, Bernadete.

— Você — disse, acentuando o tom de deboche? Certo, estou ouvindo.

— Você ainda casará comigo. Mas antes, deixe-me contar o restante de nossa aventura. Com o Albert estatelado ao chão e eu sem me atentar ao que estava acontecendo não foi difícil para o brutamonte render-me. Amarrou-me com um pedaço de corda; e me fez deitar sobre o bloco de mármore. Como a montanha de músculos não dispunha de outra forma de imobilizar o Albert, embora desacordado, atirou-o sobre o outro bloco. Depois, retornou ao lugar onde atacou o Albert e apanhou do chão o livro e a tocha acesa. Folheou-o até encontrar uma página específica. Fixou-se diante de nós, sacou a espada e limpou o sangue do amigo da lâmina com o tecido da capa. Depois, retirou do bolso outro frasco igual ao que utilizara antes do combate contra as coisas de olhos amarelos. Passou o líquido sobre o aço da espada; e se deteve diante do livro no trecho marcardo. Cravou os olhos em uma página e recitou esses versos — Albert havia aberto o livro na página citada —,

Reino de AgenorOnde histórias criam vida. Descubra agora