Palavras ao vento

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O sol entrava de forma fraca pelos pequenos espaços deixados pela cortina, mas ainda assim o clima conseguia ser bem mais frio do que o esperado para aquela manhã, embora isso nunca fosse ser uma surpresa. Um barulho insistente foi o que causou o despertar, ainda que em estado de lerdeza, da jovem de cabelos negros. A cama estava tão confortável que se deu por vencida e apenas virou para o lado e teria continuado dessa forma, caso uma voz não tivesse lhe despertado por completo.

-- Abre essa merda logo, Parkinson! - o menino entoou do meio do corredor. Vestia apenas um calção para dormir, como ele conseguia aguentar o frio ela não tinha ideia. -- Juro que se essa coruja bater mais uma vez nessa janela eu vou depenar ela! E olha que eu gosto de animais!

A frase final foi acompanhada do barulho da porta batendo, o que deixou a menina sem muitas escolhas a não ser levantar-se e abrir a janela para a coruja. A mesma entrou no quarto e voou por todo o pequeno cômodo e parou sobre o abajur na pequena mesa que havia ali. "Mas quem lhe mandaria uma carta a essa hora?" e então ela apenas reconheceu o pequeno animal.

Um sorriso apareceu instantaneamente em seu rosto. Ela havia escrito? Única pessoa capaz de ocupar todo o espaço disponível em seu ser. Pode até parecer exagero, mas foi a única pessoa que conseguiu se conectar de forma verdadeira, por si só. Observou o animal com cuidado e certa admiração, estava da mesma forma do ano anterior, capaz de estar sendo melhor cuidado do que era antes. Pegou o pequeno pergaminho com total cuidado e sorriu ao ver que estava cuidadosamente preso à pata do animal.

-- Claro que você não amassaria o pergaminho, não é mesmo? - ousou falar em voz alta e estendeu um petisco para o animal, acariciou rapidamente a ave e sentiu um leve bicar em seu dedo antes dessa levantar voo.

Aproveitou o silêncio que ainda reinava na casa e fechou a porta do quarto, sentando-se sobre a cama e se permitindo abrir o pergaminho. Tinha o cheiro dela. A sensação de nostalgia lhe acolheu de bom grado e ela se permitiu vagar por algumas lembranças antes de ler o que a pequena folha trazia consigo.

Foi impossível segurar o sorriso ao ler as primeiras linhas, ela não sabia o quanto sentia falta da outra até aquele momento. As lembranças vinham com total força, até os pequenos momentos da bendita rotina estipulada pelo cargo que assumiu. Ela nunca agradeceu tanto por um cargo... ou a uma professora.

-- Você vai se atrasar! - falou o rapaz abrindo a porta do quarto sem o menor aviso, o que fez Pansy guardar o pergaminho na primeira gaveta que alcançou. -- Está de segredinhos?

-- Não! Claro que não! Agora, se você me der licença. - falou enquanto empurrava o corpo do menino para fora do quarto e saia junto para começar a se arrumar, mas sabia que não conseguiria se concentrar em nada.

Foi no trabalho que a menina respirou fundo e pegou uma caneta. Sim, uma caneta. Não tinha como escrever com pena em uma Londres trouxa. Permitiu-se vagar por memórias e pequenos momentos nostálgicos, mas logo voltou para o papel.

"Londres, 18 de Janeiro de 2000.

Devo começar lhe informando que a opção de deixá-la sem resposta existiu, mas sei que não saberia viver sem.

Hermione,

Que surpresa não foi acordar aos gritos por uma coruja batendo em minha janela? Sinceramente, você consegue ser certeira para horários, parabéns. Mas passado essa parte, e a crise que se seguiu depois, não sei se me sinto honrada ou surpresa por entrar em contato, mas sempre soube que você não viveria sem mim.

Sejamos sinceros, já sabíamos que você não pararia de estudar apenas porque a escola acabou, você é muito você para isso e confesso que me encanta, você sabe. Não sei em que momento você apelidou aquela árvore de nossa, mas sinto que não poderia concordar mais com você, ainda que nada tenha sido expresso de modo claro, sabemos que ali era nosso lugar. Pelo menos sempre pensei que fosse...

Não sei se realmente devo, mas gostaria de confessar algumas coisas para você, ainda que não possa ver suas reações, estarei imaginando-as. Gostaria de lhe informar que também sinto sua falta, claro que nada comparado ao que você sente por mim, claramente! Eu sou bem mais marcante para você, mas você também me marcou. Acredite nisso e não pense em coisas pervertidas!

Eu comecei a mostrar mais meu verdadeiro eu, depois de tudo que você me confessou nas salas espalhadas pelo castelo, depois de tudo que mostrei a você. Minhas falhas. Meus pontos fracos. Minhas alegrias e tristezas. Gosto de pensar que, se hoje tenho um Patrono, é por sua causa. Sinto lhe informar, linda, mas agradeço por jornais não serem obcecados por mim. Sim, obcecados é a palavra certa.

Minha vida no "anonimato" tem me ajudado um pouco, moro em um pequeno apartamento com um terraço lindo, ainda lhe mostrarei algum dia. A melhor notícia que tenho para lhe dar é que não temos um elfo. Como você conseguiu me fazer desistir dessa mordomia? Sinto que seu elfo fará uma rebelião, junto aos outros dois preguiçosos, claro. Cuidado nos próximos dias.

Uma memória que me ocorreu ao ler suas palavras foi sobre uma noite em específico. Sim, essa noite! A noite em que nos permitimos mergulhar uma na outra e simplesmente jogar palavras ao vento na esperança de sanar nossas dores. A noite em que dormi ao seu lado e acordei sozinha. Você realmente não poderia ter se atrasado uns cinco minutos para a aula ou, sei lá, me acordado?

Embora isso tenha acontecido, confesso que foi incrível. Talvez, só talvez, eu sinta sua falta também. Talvez eu veja seu rosto em pessoas desconhecidas e busque o mesmo olhar que me lançava em olhos que não lhe pertencem. Apenas talvez.

E talvez eu esteja esperando uma resposta também, se assim desejar. Talvez não seja o que esperou, mas eu gostaria de continuar.

Atenciosamente,

Pansy."

-- Pansy! Volta pra terra, mulher. - a mulher, que agora estava na sua frente, despertou a menina do pequeno mundo em que havia mergulhado.

A morena quase desiste de mandar a carta inúmeras vezes, mas ao chegar em casa, com a roupa trocada e um sorriso um tanto idiota, diga-se de passagem, ela simplesmente enviou e logo sua porta foi aberta por um moreno que se jogou em sua cama e logo Pansy se aconchegou no corpo do menino. Permitiram-se dormir dessa forma, mas tudo que a menina conseguia pensar era na menina de cabelos cacheados que sempre lhe tirava o sono.

My best half - PansMione - ConcluídaOnde histórias criam vida. Descubra agora