Capítulo 10 ❁ Eternamente, perdão

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conteúdo sensível: ideação suicida, menção ao suicídio, fobia social e bullying.

⊱✫⊰

Cidade de Tarpe. 
Anos antes.

Park Jimin.

     
Eu não quero ser esquecido. Embrulha o meu estômago quando penso que as pessoas que estão à minha volta podem me ver, mas não me enxergar.
     
E eu estarei sozinho.
     
Sem ninguém.
     
Abandonado. 
     
Porque é o que acontece quando me relaciono com as pessoas, desde nascença. Meu pai foi embora para viver com outra mulher antes que minha mãe pudesse dizer que estava grávida. Com cinco anos eu era tão parecido com ele que ela não aguentava olhar nos meus olhos, e fui morar com a vovó.
     
Passei a infância naquela casa, e Tarpe era um lugar perfeito para mim. Desafiar Hoseok e Seokjin a passarem a madrugada na floresta comigo era divertido. Andar pelos bosques e pegar peças nos outros moradores em Gale era meu passatempo favorito. Quando deitava na cama, cansado, no fim do dia, a vovó me levava sopa na cama e cantava para eu dormir.
     
Mas ela se foi no meu aniversário de treze anos, e tive que procurar minha mãe para pedir ouro ou prata. Estava bem mais feliz do que quando vivia comigo. Ela me dava dinheiro suficiente para continuar sobrevivendo, tudo com a condição de não ver o meu rosto de novo ㅡ aquela casa não era mais meu lar, nunca foi.
     
Descobri o portal, e era o único mestiço capaz de me transformar em animal e viajar, de Tarpe para o mundo humano. Impressionantemente eu nunca fui afetado, não como as pessoas que tentaram ir embora e morreram.
     
Conheci Yoongi. Ele costumava parecer apático e triste, e meu coração se enchia de dor por ele, porque eu não podia entender aquela mágoa, não era nem parecida com a que eu sentia.
     
Quis levá-lo para Tarpe, não só por querer vê-lo feliz, mas também para poder ficar perto dele. Eu estava apaixonado. 
     
Mas fui um tolo egoísta quando o convenci. Percebi isso tarde demais. A sensação piorou em meu peito quando descobri a verdade ㅡ o que acontecia aos humanos sangue puro dentro do nosso mundo. 
     
NamJoon estava aqui na época, me contou sobre as memórias perdidas e eu entrei em pânico. Yoongi poderia, a qualquer momento, se esquecer de mim.
     
Meu maior medo estava ao meu lado, como uma sombra. 
     
ㅡ Ajude-o a não esquecer. Conte histórias que aconteceram entre vocês quando se conheceram ㅡ Disse NamJoon, calmo como a brisa, tocando a grama com as mãos enquanto respirava profundamente.
     
ㅡ Ele vai esquecer de mim, e então eu ficarei sozinho ㅡ Eu disse, olhando para meus pés que balançavam.
     
NamJoon parou, encarando meus olhos profundamente, eles tinham uma cor bonita, vacilavam entre o amendoado e o mel. Eu nunca soube o que essa cor significava, ninguém tinha aqueles olhos.
     
ㅡ Amor não se esquece, Jimin. Yoongi o ama e você também. Mesmo que as memórias se percam, o sentimento de carinho não irá embora ㅡ Sorriu fraco, tentando me acalmar ㅡ Será sempre como a primeira vez.
     
ㅡ Ele vai se esquecer de mim… ㅡ Eu disse mais uma vez, choramingando como um tolo. Não queria dar ouvidos a ele.
     
NamJoon me conhecia muito bem quando disse:
     
ㅡ Faça o que sua intuição diz, se ouvir sua insegurança poderá se arrepender para sempre ㅡ disse, deitando na grama. NamJoon era tão bom, mas nunca seguia os próprios conselhos.
    
Mesmo lidando com Vrai Moi dentro de si, seu próprio demônio, NamJoon ainda sorria. Ele vivia como se cada segundo importasse, como se cada vento fosse o último. Sempre admirei isso nele.
     
Deveria tê-lo escutado mais. Estava cego pelo o que temia. Nem mesmo ouvi o que Yoongi passou semanas tentando dizer.
     
Fechei meus olhos para tudo à minha volta. Não vi que Tarpe estava ficando cinza. Tudo o que me importava era que ele se lembrasse de mim. E isso acabou comigo.
     
NamJoon deu ouvidos a Vrai Moi e desapareceu em seu corpo. Não demorei para perceber que já não era mais ele, era Vrai Moi. Com a voz ridiculamente dócil e suave, nada hostil ou cruel, acreditei nele, estava desesperado, e ele mentia tão bem.
     
Me mandou ir atrás de poções, que de nada ajudaram Yoongi, na verdade aquilo secretamente aumentou o poder que tinha. Eu não estava preocupado em saber o que ele fazia com o que eu o entregava.
     
Só queria meu amor de volta.
     
Só queria que Yoongi se lembrasse de mim.
     
Enquanto isso, Yoongi tentava se adaptar ao mundo de Tarpe, buscava formas de se lembrar da própria família e do mundo em que nasceu. Desabou em mágoa e tristeza e dor, mas mesmo assim sorria para mim, nunca disse o que estava passando. 
     
ㅡ O mito de Moros diz que ele escondeu três flechas do Cupido em cogumelos da floresta. Elas podem trazer memórias de volta. Ache-as e as atire em Yoongi ㅡ disse Vrai Moi.
     
Fui um tolo alienado por buscar as flechas sem ao menos pesquisar. As três ao mesmo tempo iriam possibilitar um poder para fazer três mudanças no que quisesse.
    
Quando as atirei em Yoongi, Vrai Moi não relutou quando se colocou na frente de seu corpo magro ㅡ não tinha percebido quanto peso ele perdeu até olhá-lo daquela forma. Não esperou um segundo para ordenar o que queria.
     
Número um: teria o maior poder em cima de Tarpe. Maior que qualquer autoridade das Cortes.
    
Número dois: teria acesso ao trono de chamas e aos artifícios do destino.
     
Número três: baniu os sentimentos. Os que moram em Tarpe devem sorrir, sem demonstrar tristeza. 
     
O último foi como dar um soco no estômago de Taehyung. O garoto já se isolava dos outros e se auto condenava todas as vezes em que desabafava as mágoas à alguém. Quando eu o trouxe para Tarpe, pensei que conseguiria ajudá-lo com isso, mas não esperava que tudo desse errado. Com a terceira ordem, ele nunca mais foi o mesmo. 
    
Para que tivesse controle sobre mim, Vrai Moi transformou Yoongi em gato, amaldiçoando-o, sabendo do tamanho amor que nós tínhamos (afinal, ninguém arrisca a própria vida para recuperar memórias de quem não ama). Yoongi perdeu-se em seu corpo, assim como NamJoon, esquecendo de nossa história por completo.
    
Estive acorrentado aos ideais de Vrai Moi, acreditando que, um dia, poderia ter Yoongi de volta, e que Tarpe voltaria a ser meu mundo dos sonhos.
     
Verdadeiro e bonito.
    
Fiquei tomado por medo e arrependimento. Passando todos os meus dias pensando nele. Todos os dias querendo abraçá-lo e beijá-lo, apenas mais uma vez seria suficiente. Queria tocá-lo, ver seu rosto, mexer em seus fios lisos e pretos como ônix. 
     
Ver o gato é como sentir uma bala atravessando meu peito. Saber que aquele não é ele de verdade, dói. Saber que não tenho permissão para pedir ajuda também. 
     
Me machuca ter que sorrir e ajudar o mal a construir o mundo lotado de falsa felicidade. É como estar ligado ao inferno eterno.
     
O que me mantém vivo é acreditar que posso ver meu amor novamente. Quero me desculpar por meus erros. Quero abraçá-lo e dizer que nunca mais farei o mesmo. Quero dizer o quanto eu o amo.
     
A culpa foi minha.
     
Quem o deixou cair fui eu.
     
Quem o deixou sozinho fui eu.
     
Deveria ter feito mais, deveria ter engolido as minhas inseguranças e ouvido o que ele tinha para me dizer.
     
Hoje, me arrependo. Muito. Eternamente.
     
Me desculpe, Yoongi, me desculpe.

Coelho de Tarpe • [taekook]Onde histórias criam vida. Descubra agora