Uma ligação para Ricardo, bêbada.
Uma ressaca daquelas (inclusive moral).
Uma reunião cheia de balancetes e metas, no primeiro dia útil do ano.
E um chefe possivelmente puto da vida porque eu me atrasei para a bendita reunião do primeiro dia útil do ano.
É, eu não diria que o meu ano está sendo fácil, mas ainda tenho 363 dias para mudar as coisas. Vou começar colocando em prática a minha resolução de evitar bebidas alcoólicas.
Aliso a minha saia - amassada, porque acordei tarde e não tive tempo de passá-la a ferro - e ensaio um sorriso enquanto entro na sala de reuniões lotada de diretores e vice-presidentes da Bianchi, equilibrando uma bandeja com várias xícaras de café. Sirvo cada um deles sem olhá-los no rosto e sento em uma cadeira atrás de Ricardo, envergonhada como sempre.
- Agora que todos estão devidamente acomodados e com a sua xícara de café, podemos começar? - Meu chefe pega algumas anotações. - Kelly, apague as luzes e ligue o projetor de imagens, por favor.
Levanto fazendo o mínimo de barulho possível e ligo o notebook, apagando as luzes em seguida. Conecto o pen drive e aperto o botão do projetor; em poucos minutos, Ricardo está discutindo os (muitos) gráficos da tela com os presentes e eu morrendo de tédio, mas aproveitando a pouca luz para observá-lo sem que ninguém perceba.
Ricardo parece estar ainda mais lindo hoje, e o terno preto com colete que ele veste (italiano, provavelmente um Ermenegildo Zegna) é um dos meus favoritos. A gravata também é preta, a camisa, branca e ajustada, e um lenço preto e branco de seda está na lapela. O perfume que o ar condicionado traz até o meu nariz é tão elegante quanto a roupa, e eu não demoro a reconhecê-lo: Bleu de Chanel. Meu chefe costuma alternar entre ele, um da Dior e outro da Hermès.
Quando a reunião termina, enfim, tiro a minha agenda da bolsa e repasso os compromissos do resto do dia de Ricardo, colando um post it verde limão na capa de couro para me lembrar de, mais tarde, transcrever a reunião gravada no celular. Uma folha de papel amarelo está enfiada entre as páginas brancas, e eu sei imediatamente o que é: a minha lista de resoluções de ano novo. Estava quase esquecida dela.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Clichê Para Kelly
RomanceKelly Müller sabe que não passa de um clichê, e dos grandes (sem trocadilho): é uma secretária executiva solteira/encalhada, acima do peso, apaixonada por gatos e mais apaixonada ainda pelo chefe, o mulherengo Ricardo Bianchi. Talvez ele a notasse...