Capítulo 3

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"Pesadelo"

***


A primeira coisa que penso é: o que poderia ser pior que aguentar aquele idiota todo dia na detenção? No entanto, sem conseguir conter a curiosidade, deixo Carol continuar:

— Luíza, o Pedro veio me trazer em casa e me contou uma coisa. — Ela suspira profundo, como se buscasse forças para falar o que vem a seguir. — O Lucas... se lembra?

Engulo a saliva com dificuldade. Como poderia esquecer? Ele é o responsável por todo o caos que minha vida se tornou. Ele acabou com tudo de melhor que eu tinha. Calou minha voz, meus sentimentos, meu eu.

— Então, ele voltou.

A voz de Carol parece um zumbido esquisito na minha cabeça. Como assim, ele voltou? Quero perguntar, vomitar as palavras, mas não consigo. Estou paralisada de pânico. O chão some e tudo gira ao meu redor. O oxigênio desaparece de meus pulmões e mal consigo me lembrar como faz para respirar.

Isso não pode estar acontecendo. Não comigo. Não de novo. A frase da Carol se repete feito um mantra em meus pensamentos:

"Ele voltou, ele voltou, ele voltou..."

O que faço agora? Não tenho forças para encará-lo outra vez, não depois de tudo. Sinto um frio percorrer minha espinha e vejo o desespero se aproximar como uma onda no oceano: de longe parece pequeno, mas perto, pode ser destruidora.

— Amiga, você está bem? Fala comigo — Carol insiste.

— Oi — respondo, com a voz fraca, minguada.

— Fique calma, vai dar tudo certo.

Eu sei que nem ela acredita muito no que acaba de dizer, mas finjo que compreendo. Como pode dar certo?

— Amiga, obrigada por avisar, eu preciso desligar agora. Preciso respirar... — digo, enfim.

— Espera, espera. — Carol pede, com a voz angustiada. — Me faz um favor?

— Pode falar.

— Não desaparece. Eu estarei com você na escola o tempo todo, amanhã temos trabalho — o desespero em sua voz é quase palpável. Ela sabe que quero me esconder do mundo só de ouvir o nome daquele desgraçado.

— Ok.

— Se cuida...

Desligo o telefone, aturdida. Não pode ser verdade. Quero acreditar que tudo não passa de um pesadelo ruim e que vou acordar a qualquer minuto.

Passo o resto do dia trancada no quarto, sem ânimo para levantar. Quando acho que estou começando a colocar minha vida de volta nos trilhos, ele aparece para virá-la de cabeça para baixo mais uma vez. E, desta vez, não sou capaz de aguentar. Sei que não sou. .

A noite demora a passar. As cenas do passado voltam ferozmente à minha memória, e meu único desejo é que aquilo não aconteça de novo. A dor ainda é grande demais. O ódio, o nojo, a raiva. Tudo. Tudo ainda é muito maior que eu.

Pela manhã, a dúvida me consome. Devo ir ou não à aula? E se ele estiver lá? O que faço ao encontrá-lo? Milhares de sentimentos explodem dentro de mim, tenho medo, sinto-me angustiada e não sei dizer se sou capaz de enfrentar o que quer que está por vir. Todavia, se não for, Carol vai vir atrás de mim. Ela quer evitar a todo custo que eu me aprisione dentro de mim mesma outra vez.

Coloco meu uniforme e no caminho até a escola, penso em voltar várias vezes, mas continuo, buscando uma força do além para mover meus pés. Assim que passo pelos portões de ferro, não olho para lugar algum e vou direto para a sala de aula. Assim que meus olhos encontram os de Carol, não falamos nada. Ela me entende, sabe o que estou sentindo.

O outro lado da memóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora