"Uma artista"
***
Sempre que toco ou canto dessa forma, tudo ao meu redor desaparece. É como se a música fosse capaz de me libertar das piores dores causadas pelo passado. Esqueço-me por completo de todos os momentos que tornaram minha vida um verdadeiro inferno, de todas as diversas vezes em que lembrar disso me fez chorar. Cada nota emitida pelo piano toca no mais íntimo do meu ser; cada som marcado por minha voz me faz sentir a paz que me esforço tanto para recuperar.
Palmas me despertam do sonho mais rápido do que gostaria, e vejo Arthur, entrando no auditório.
— O que temos aqui? Uma artista? — ele brinca, com um sorriso empolgado nos lábios.
Meu rosto se fecha para gracinhas, só não consigo ignorar sua presença, mesmo que eu queira, pois ele já está parado ao meu lado.
— Arthur...
— Você é uma artista! — ele repete, animado.
— Pare! Por favor! — Fico de pé e vou até ele, segurando seus braços fortes com minhas mãos pequenas. — Pelo amor de Deus, Arthur, promete, PROMETE, que não vai contar isso pra ninguém! Promete? — imploro.
— Mas por quê? Por que ninguém pode saber? — A expressão de seu rosto muda de animação para confusão em segundos.
— Não te interessa, na verdade. Só preciso que me prometa...
— Ok. — Ele levanta os braços, fingindo rendição. — Parece que nossos professores e colegas ficarão felizes com a novidade, então.
Abro a boca, pasma. Ele está me ameaçando?
— Idiota!
— Luíza, pare de agir feito uma criança mimada! Por que motivo você não iria querer que as pessoas soubessem do seu dom? Isso não é algo bom? Você pode usá-lo pra muitas coisas...
— Não sou você. Não me escondo atrás de dons. Só estou te pedindo, por favor, para não contar pra ninguém que fiz isso hoje, não quero que saibam.
Ele para e me encara, fitando-me com seus olhos azuis vivos.
— Não pretendia contar.
Respiro aliviada.
— Ainda bem! — Viro as costas para começar, enfim, nosso trabalho, mas Arthur me segura.
— Mas saiba de uma coisa, o que você fez aqui é muito bom pra ficar escondido.
Reviro os olhos, me desvencilhando de seu toque.
— O que você quer que eu faça? Quer que eu seja como você? Usar meus dons pra aparecer? — Faço sinal de aspas.
— Eu não faço isso. — Ele continua me olhando, com as sobrancelhas recurvadas. Parece ponderar se deve ou não continuar com o assunto, e decide, então, pelo melhor caminho. — Quer saber? Vamos arrumar isso logo, vai, pra gente ir embora de uma vez.
— Você tem razão. O que eu mais quero é dar o fora daqui.
Não trocamos uma palavra enquanto arrumamos o auditório. Sou consumida pela raiva, parte por parte, por todos os motivos do mundo. E, para melhorar minha realidade ainda tenho que lidar com mais um problema que, provavelmente, Arthur traria.
Assim que acabamos, ele insiste em me deixar em casa, devido a hora. Ao estacionar em frente à minha casa, agradeço e coloco a mão na tranca para abrí-la e me livrar do clima horroroso entre nós, mas sou contida por Arthur, que me segura com firmeza.
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O outro lado da memória
Romance"Amar é encontrar dentro de si uma coragem que nem se sabia que existia." Luíza Bedim, uma jovem talentosa e cheia de sonhos, sofre uma grande decepção com a pessoa que mais ama. Depois desse período, é perseguida pelo medo e pela dor profunda do oc...