Capítulo 6

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Havia uma pedra no meio do caminho.

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Em uma semana, Lucas não deu as caras. O galo em minha cabeça desapareceu e os ensaios para o festival de verão foram iniciados.

É uma terça-feira chuvosa e até que estou me sentindo bem, apesar de ter acordado atrasada e acabo perdendo o ônibus para a escola e decido ir a pé, para não perder mais tempo. Enquanto caminho, minha mente já está na lua, mal reparo as coisas ao meu redor. Estão tão submersa nos pensamentos que não vejo uma pedra solta e acabo tropeçando, indo parar direto em uma poça de água.

— Droga! Droga! — resmungo, irritada.

A dor me atinge, visceral, e fico tonta quando tento levantar. Mal consigo mover minha perna, como vou encontrar forças para ficar de pé?

— Só me falta essa... — falo sozinha, inconformada.

Amarro o casaco no tornozelo, tentando inevitavelmente diminuir a dor, porque ainda falta um bom pedaço para chegar à escola e ainda tenho um teste para fazer. Não posso faltar aula, tenho que dar um jeito de caminhar.

O primeiro pensamento que vem à cabeça é: No meio do caminho havia uma pedra... Eu, sentada no chão, na chuva, no meio do caminho, feito uma pedra idiota.

Faço força para ficar de pé e não consigo de primeira, até que observo um carro parado ao meu lado. Sinto meu coração acelerar no peito quando não reconheço o carro e percebo que estou sozinha em uma rua deserta e totalmente fragilizada.

E se for o Lucas? O pensamento vem como uma facada. Preciso sair daqui. Continuo com a cabeça baixa, evitando entrar em contato com quem quer que esteja ali dentro, até esqueço a dor por alguns segundos. Ouço a porta do carro abrir e engulo a saliva com dificuldade. Que droga!

Preparo-me para lutar com o imbecil, mas quando me deparo com os cabelos loiros e os enormes olhos azuis, respiro aliviada.

— Arthur! — exaspero.

— O que aconteceu, Luíza? O que está fazendo aí? — ele pergunta, parado na minha frente.

Ele se aproxima e estende o braço, ajudando-me a levantar. Fico de pé e, para minha surpresa, Arthur me pega no colo com a maior facilidade do mundo e me carrega até o carro, para sairmos da chuva.

— Que carro é esse? — indago, por não ter conhecido. Me apavorei à toa.

— Do meu pai, ele tá de folga hoje e me emprestou.

Ele fecha a porta e dá a volta, para entrar no carro.

— O que houve com seu pé? — ele pergunta, balançando seus cabelos, pingando água para todos os lados.

— Acho que torci o tornozelo...

— Vamos ao hospital — ele diz, soltando o freio de mão do carro e dando partida.

— Não, Arthur, me leva pra escola, tenho um teste hoje e não posso faltar...

— E vai conseguir fazer uma prova sentindo dor? Não tem problema chegar um pouco atrasada, não.

Fico quieta porque percebo que ele tem razão. Não vou mesmo conseguir me concentrar com tanta dor.

Enquanto seguimos para o hospital, é inevitável não lembrar da última vez — antes da situação do ovo na cabeça, claro — em que estive lá. Um braço torcido, um pé quebrado e duas costelas fraturadas. Havia um dreno na minha coxa para retirar o sangue coagulado, fora os ferimentos leves. Não gosto nem de lembrar. Um mês naquele hospital. Um mês de sofrimento.

O outro lado da memóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora