Capítulo 1

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Não sei o significado da palavra amor. Nem quero saber por enquanto.

***

Estou sentada no chão da varanda da minha casa, com Fred (meu poodle branco) ao lado mordendo meu pé (que ele acha que é brinquedo). Acabo de jogar fora o oitavo pedaço de papel amassado em minhas mãos. Detesto admitir, mas sou péssima com redação. Sério, não consigo escrever e, sinceramente, não sei onde poetas e escritores famosos encontram tanta inspiração para compor cada frase do texto como se uma palavra servisse de encaixe a outra, como se elas se completassem. Não nasci para isso.

Essa é a lição de casa de hoje: fazer uma redação inspirada em alguma obra literária clássica. Sem plágio, vale ressaltar. Uma nova história, com o mesmo tema, só que totalmente diferente da original.

Ok! Sei que para algumas pessoas isso não é tão impossível, mas será que minha professora de literatura já parou para pensar que eu jamais, nunca, nem no meu melhor dia, serei capaz de criar algo como Shakespeare: "Só ri de uma cicatriz quem nunca foi ferido." Como posso criar um texto assim se não sou capaz nem de descobrir qual era a fonte de inspiração de Shakespeare para criar frases como essa de Romeu e Julieta? Desisto. Nada de redações, nada de textos nem de lição de casa.

Continuo sentada no chão da varanda, brincando com Fred, quando meu irmão mais novo, o Edu, surge:

— O que faz aí, Luíza? — ele coloca a mão na cintura, questionador.

— Estou tentando fazer a lição de casa. Aonde você vai arrumado deste jeito? — Arqueio as sobrancelhas, estranhando sua roupa. Ele sempre tem preguiça de se arrumar.

— Tenho um encontro! — diz, orgulhoso.

— Encontro?

— É... Por falar nisso, estou atrasado, mamãe está me esperando. Até mais, maninha...

E, então, ele sai porta afora, correndo feito um louco. Será que isso é mesmo verdade? Meu irmão de onze anos tem um encontro e eu, com dezoito, sequer me atrevo a falar sobre esse assunto com um garoto outra vez? Eu que não cresci ou foi meu irmão que cresceu prematuramente?

O problema deve estar em mim, como sempre. Acho que não superei o passado o suficiente ainda. Mas, na verdade, será que existe alguma possibilidade de superar? Depois de tudo, não consigo acreditar nesse amor que minhas amigas falam que sentem, intenso e desesperador, quando um dia amam um e depois amam outro. Acho que nem sei de verdade o significado da palavra amor. E nem quero saber, por enquanto.

Na escola, um dia após o "incrível" encontro do meu irmão (que havia passado o resto da noite anterior contando como "ela é maravilhosa"), a professora de Literatura, Carla, perguntou já no final da aula se alguém já havia iniciado a redação. Ninguém se mexeu. Sabia que ia sobrar para mim. Sempre tenho essa sorte.

— Então, Luíza, começou a escrever seu texto?

— Ainda não, professora... — respondo, levantando os ombros.

— Por que não? A dificuldade é escolher a obra inspiradora? — Ela se aproxima da minha carteira, com um sorriso delicado nos lábios.

— Talvez.

Então o sinal toca, para minha felicidade, libertando-me dessa enrascada. Salva pelo sinal!

Saio da sala e caminho pelo corredor até chegar ao pátio, onde Carol e Júlia, minhas melhores amigas, estão sentadas todos os dias. Somos de turmas diferentes, mas as atividades são sempre as mesmas, então conto para elas a dificuldade em escrever essa bendita redação. No entanto, nenhuma delas parece tão interessada no assunto.

O outro lado da memóriaOnde histórias criam vida. Descubra agora