1. NÃO VEJO VOCÊ

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    Meu despertador tocou o som conhecido de False Prophet anunciando mais um dia, abri meus olhos e fitei o teto de madeira alto, o sol parecia brilhar la fora, mais um dia brilhante para as pessoas brilhantes de futuros coloridos, mas para mim era mais um dia de tantos outros, vivido atrás das cortinas grossas do meu apartamento grande demais para apenas uma pessoa. Levantei e encarei minha última obra inacabada, a hora dela chegaria, quando fosse sua vez de ser terminada ela seria, mas hoje era dia de pensar em algo que não fosse tinta e pincéis. Depois do banho, pensei em comer algo, faziam dias que minha alimentação se baseava em duas refeições por dia, mas não sentia animo para colocar algo no estomago.

     Coloquei uma blusa por cima da camiseta, e sai para o dia radiante, coloquei os fones e o aleatório escolheu Crossing the Rubicon, cantarolei a música e fui seguindo pela calçada vendo as pessoas passarem em meio a sua vida corrida, ocupadas demais, preocupadas com suas próprias minúcias, e eu pensava “hoje seria um dia ótimo para fazer uma tatuagem nova”, ri por pensar em algo assim antes mesmo do dia começar, andei ainda observando atentamente as pessoas ao meu redor a procura de algo, nos últimos meses eu estava em um estado de torpor absoluto, nem meu maior amor a arte, me trazia o sentimento de paixão de sempre. Cheguei a cafeteria aonde ia todos os dias, mesmo que nem sempre pedisse algo, sentei em uma mesa perto das janelas frontais para continuar minha obstinada observação a vida cotidiana, vi duas pessoas passarem sorrindo e olhando algo em um celular, essas pessoas entraram na cafeteria e pediram seus cafés, e continuaram a rir, sua felicidade era tão cativante que acabei me virando para sua direção, olhei seus olhos, brilhantes e refleti seus sorrisos em meus lábios. Cativante.

     Eu não sabia mas foi ali que te conheci, eu me esqueci daquele dia, pois era parecido com todos os outros, todos tinham pequenas nuances, pequenas alterações, mas tão parecidos que eu cometi o pecado de esquecer desse momento, mas não me esqueci de você.

    Sai da cafeteria e andei mais algumas quadras em direção ao consultório de meu psicólogo, quando cheguei pensei em voltar para casa, não estava me sentindo com vontade de falar sobre nada em específico naquele dia, na verdade se eu pudesse passar o dia sem falar nada eu o faria, no final das contas acabei ficando e logo ele me chamou para entrar em sua pequena e aconchegante sala.

     Ele pediu sobre minha semana, eu disse sobre minha pouca vontade de existir naqueles últimos dias, em algum momento reclamei sobre as pessoas ao meu redor parecem superficiais demais, e ele alimentou o assunto, o que me levou a falar sobre meus relacionamentos amorosos superficiais, e enfadonhos, quando ele me perguntou como seria a pessoa que eu gostaria de namorar naquele momento, tive que parar alguns bons segundos para pensar.

     Bem, para começar alguém que me amasse loucamente, eu não passaria pelo desgaste de um relacionamento sem esse sentimento, obviamente que essa pessoa despertaria esse sentimento em mim e seria mútuo, essa pessoa me faria sorrir por sua existência, amaríamos cada pedaço um do outro, e vez ou outra teríamos nossos momentos de loucura e iriamos para o meio do nada olhar as estrelas e dormir sobre a grama, cantaríamos músicas de todos os tipos e iriamos rir de nossas interpretações. Entenderíamos nossas particularidades, nosso amor seria perene e ao mesmo tempo indomável. Nada chato ou previsível, algo assim não combinaria comigo. Alguém que me conquistasse com os olhos.

– Vejo que você parece ter alguém e mente – Meu psicólogo disse, me olhando por cima de seus óculos de armação preta.

– Na verdade não, ou sim, acredito que essa pessoa esteja por aí afinal – eu disse fitando minhas mãos em meio à confusão momentânea que sua observação havia me causado.

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