3. VERDADE

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Minha consciência está em choque, foi a conclusão que cheguei depois de horas pensando em como tirar aqueles sentimentos de dentro de mim. Não sou um ser regido apenas pelo racional, sou sentimental, sei disso. Minha arte transborda isso, mas naquele momento, olhando a tela em branco eu tive certeza, algo estava mais errado do que o normal.

Passei a mão pelos cabelos e os puxei tentando dissipar a frustração, olhando furiosamente para a tela em branco pelo quinto dia consecutivo. Era ali que eu colocava meus sentimentos. Se eu não os colocasse ali, aonde os colocaria? Sentei no chão e apoiei a cabeça sobre os joelhos, e comecei a chorar. Era meu primeiro bloqueio serio de criatividade, eu sentia tantas coisas, queria pintar seus olhos, pintas o céu que brilhava em azul anil pela janela, eu queria pintar até mesmo minhas lagrimas, mas eu não podia, tudo saia de contexto dentro de mim, e ao chegar perto da tela os movimentos me faltavam.

– Por favor me ajuda – eu implorei para meu psicólogo, depois e descrever minhas tentativas durante uma semana de pintar qualquer coisa.

- Você não consegue pintar nada?

- Nada – Me veio à mente todas as vezes em que tentei apenas pincelar a tela, como errei até mesmo na mistura das cores.

-  E isso aconteceu depois do seu sonho? Como você se sente com relação aos sentimentos que te foram despertados por ele?

- Eu tenho evitado pensar muito nele, não gosto de desejar algo que não é real. Quer dizer, a pessoa com quem eu sonhei... Essa pessoa não existe.

- Parece que existe para você, você me trouxe um desenho dessa pessoa, não consegue se lembrar aonde a viu?

- Não. Lembro do sorriso, do olhar, do modo como gesticula ao falar, mas não sei aonde a vi fazer essas coisas.

- E você gostaria de rever essa pessoa?

Eu queria? Queria. Mas essa pessoa é apenas um amontoado de desejos e criações minhas. Mesmo com a consciência de que não fazia sentido, eu não podia negar que por vezes me via percorrendo as ruas a procura daqueles olhos.


Peguei meu bloco de rascunho e o abri sobre a mesa, o carvão em minha mão hesitava em encostar no papel. Fechei os olhos e deixei a imagem de seu olhar tomar conta de minha mente, ao os abrir novamente, dei início ao desenho, meus traçados eram incertos, como nunca, eu sentia as gotículas de suor se formarem sob minha testa, mas eu precisava daquilo, pôr para fora a intensidade do que eu sentia. Ao terminar o desenho, me senti mais leve, fiz alguns esboços mais, quando minhas mãos já estavam completamente pretas, e o sono já me assolava, decidi que era hora de parar. Ao olhar para a mesa vi que tinha feito tantas versões daquele olhar, e a vontade de esquece-lo parecia cômica, pois quanto mais eu o desenhava, quanto mais eu tentava o colocar para fora, mais gravado em mim aquele olhar ficava.

Minhas tentativas de tirar você de mim foram tantas, e tão sofridas, que depois um curto período de tempo só aceitei que você fazia parte de mim. Eu não tinha poder sobre meus sentimentos, que a cada dia, a cada semana, a cada ano, se tornavam mais difíceis de ignorar.

Depois de longos meses, aquele projeto estava no seu final. Olhei para a imensa galeria com um sorriso suave nos lábios, as esculturas, desenhos em carvão e as telas faziam um contraste perfeito com as plantas que eram visíveis pelas imensas paredes de vidro.

Foram semanas apenas desenhando com carvão, depois, esculpindo cada parte de cada escultura que formava um arvore se olhadas da porta de entrada, seus olhares se tornaram as folhas dessa arvore, as telas eram os elementos da vida que rodeava essas descobertas, fases da natureza, a evolução da lagarta que vive por vinte e cinco anos dentro do seu casulo, e não sai por medo de usar as asas. Um sorriso choroso, um regador, uma varanda vazia e cinzenta. Preencher aquela galeria de mim sempre foi satisfatório, mas ali estávamos o nós, um nós que não existia.

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⏰ Última atualização: Sep 28, 2020 ⏰

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