Cara metade-Capítulo 5

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Quando se planeja muito uma coisa, geralmente é ai que tudo sai errado. Não fazia parte de meus planos salvar um humano. Eu estava ferido e faminto depois de ter sido alvejado perseguindo aquelas coisas. E ainda chovia. Uma noite formidável.

Só que algo despertou minha atenção. Foi tipo um grito de lamento que ecoou em meus pensamentos de forma compulsória. Foi o cheiro diferente que rescendia no ar impregnado de bebida e cigarros. E eu não sabia o que  pensar. Muitos da minha espécie confiavam bastante no terceira visão que era nossa visão psíquica.

Naturalmente havia captado a intenção do pequeno grupo de veteranos quando deixou a festa na parte mais animada. E minha irritação ultrapassou todos os limites. Contatos com humanos eram proibidos. Mas aquele cheiro... Era uma essência de mulher intocável e misteriosa para mim. Olhei a princípio abismado como aquela criatura podia ser tão inocente sem imaginar o que pretendiam possesso.

Que os Deuses antigos tivessem piedade de mim. Tudo havia acontecido numa vertiginosa cena de pesadelos. A essência de antes era substituída pelo cheiro fresco de sangue vivo. A brincadeira de trotes tinha ultrapassado todos os limites e fatalmente se tornaria uma catástrofe.

A intolerância de humanos era absurda. E quase não cheguei a tempo.

Meus braços seguraram um corpo violado e ferido que fazia minhas entranhas se revoltarem. Não havia como fazer qualquer tipo de contato mental com aquela criatura assustada de olhos arregalados que me fitavam. Olhei ao redor, sabendo que tinha perdido toda urbanidade que me haviam ensinado em anos de treinamento. E logo em seguida, o arquejo forte e difícil encheu meus ouvidos como  a visão macabra.

No instante seguinte não conseguia ouvir nem mesmo o coração pulsar com vida.

-Maldição! Criatura irresponsável! Respire!

Minha voz veio num rugido possesso quando acomodei com todo cuidado o corpo na relva, as mãos buscando os lábios arroxeados e feridos. Respirei fundo, colando minha boca naqueles lábios forçando o ar para dentro dos pulmões indiferente ao cansaço físico.

-Vamos! - vociferei atordoado diante do humano. - Vai respirar! Não vou permitir que morra de um jeito tão estúpido assim! 

Minhas mãos ansiosas entrelaçadas começavam os primeiros socorros, massageando o tórax liso frio e úmido. E algo aconteceu ali. Nem sei bem como explicar. De forma inesperada minha mente sintonizava com a mente do humano. Podia sentir sua alma. Meu espanto ultrapassou todos os limites da realidade.

Não via mais traços masculinos com músculos definidos num corpo pequeno. Eram imagens que ninguém poderia duvidar , apesar da minha descrença absoluta. Eu via e quase podia sentir sob minhas mãos contornos delicados e suaves de um corpo extremamente feminino. Era daquele jeito que ela se via apesar do gênero masculino que lhe haviam imposto!  Apesar do sexo com o qual havia nascido... E no entanto a aparência era como de qualquer outro garoto. Só que eu tinha uma mulher em meus braços de forma mais inesperada possível.

Voltei a soprar o ar praguejando a todo instante com a raiva renovada. Humanos! Que ponto chegava o preconceito deles com o que consideravam diferente?

-Trate de respirar, agora! - supliquei e nem sabia a razão de minha ansiedade ali. Repetidas vezes comecei o processo alternando a respiração boba a boca com massagens de ressuscitação.- Por favor...

Depois de uma eternidade ouvi o som melodioso de um suspiro forçado e aquela criatura se encolheu num gemido baixo de dor, sorvendo o ar de forma desesperada. Um sorriso curvou minha boca ao sorrir e com delicadeza puxei o casaco que cobria o humano. Não houve protesto ou resistência quando devagar puxei o corpo ferido  para meus braços de forma protetora e a cabeça pendeu contra meu ombro.

Na cama com um AlienOnde histórias criam vida. Descubra agora