Cinco: Reencontro

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— Não acredito que estou mesmo te vendo depois de tantos anos! — foi a primeira coisa que Teófilo disse após constatar que era mesmo eu ali.  

Só de ouvir a grave voz dele meu coração acelerou, as palavras simplesmente se perderam no caminho até minha boca e não consegui responder nada. Minha mente foi certeira em reafirmar como aquela situação poderia ter sido diferente se eu tivesse atendido ao conselho de Elisabeth Elliot, uma mulher de grande fé no Senhor e minha grande inspiração, respondendo uma pergunta sobre qual atitude uma moça deveria tomar referente a um rapaz:

“Não faça nada. Nada que o envolva. Não telefone para ele, não envie um bilhetinho com o desenho de uma flor, de um sorriso, ou de um peixinho ao lado da assinatura. Não se aproxime dele no corredor para dizer: “Preciso muito conversar com você!”. Não aparente tristeza perto dele, não finja que o ignora, não corra atrás dele. Não lhe faça favores especiais, não conte a nove amigas “íntimas” de seus sentimentos por ele” e em seguida orientou: “Entregue tudo na mão de Deus; se ele for o homem que Deus lhe tem preparado, “O Senhor dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente.” (Sl 84:11) Aplique-se em obedecer ao Senhor em pureza e santidade, e não em “garantir” o seu “homem”. Deus tem seus próprios planos para que você e seu futuro esposo se conheçam. Não precisa de sua ajuda nem de seus conselhos”.

Fiz o exato oposto de tudo e segui a risca cada item da lista “Oi, estou aqui e pronta para ser sua esposa” citados por ela.

Tudo o que eu mais desejava no auge dos meus quatorze anos era ser notada por Teófilo e usei todos os meios para tal. Fiz coisas como ir aos cultos onde sabia que o encontraria, usando os meus mais belos vestidos, também fazia questão de estar por perto quando papai lhe contava suas experiências missionárias e até esquematizava planos para me sentar o mais perto possível dele durante as aulas de escola dominical.

Vergonhoso, eu sei muito bem. Graças a Deus, ele nunca se deu conta dos meus sentimentos. Quer dizer, até certo dia quando após um culto eu, brilhantemente, resolvi compartilhar com minhas sete amigas “intimas” toda a minha trajetória dos onze aos quatorze anos sendo apaixonada pelo garoto mais bonito da igreja e minha certeza de que em breve seríamos um casal. Tive a capacidade de descrever até mesmo como seria nossa história. Namoraríamos enquanto eu concluía o ensino médio e uma faculdade e então quando ele tivesse dinheiro o bastante para nos comprar uma grande casa, nós nos casaríamos. Ou nem precisávamos esperar tanto, afinal minha família tinha dinheiro e mamãe não reclamaria de nos emprestar um pouco. Ao fim de todo o meu relato, para minha surpresa, ninguém menos do que o próprio Teófilo veio se despedir de mim e por sua cara de poucos amigos, não só ouviu tudo, como também teve o prazer de descontruir cada uma das minhas ilusões ao avisar que durante aquela mesma semana estaria partindo para o campo missionário.

Nunca me arrependi tanto em toda a minha vida. Eu me senti tão tola. Vi a mim mesma como a própria Lydia Bennet, em Orgulho e Preconceito e quanto mais aprofundava no estudo da bíblia e entendia o que Senhor esperava das moças solteiras, mais arrependida eu ficava.

Sei que o Senhor havia me perdoado e sei também que fui contemplada com a graça de poder aprender para não repetir os erros. Entretanto,  a hora de finalmente encarar de frente um velho fantasma do meu passado chegara.

E ali estava ele. Sem sombra de dúvidas era Teófilo me encarando um pouco desconfortável.

E, meu Deus! Ele havia mudado um bocado. Deixou o rapaz magrinho guardado em São Paulo e foi substituído por uma versão mais alta e encorpada, com alguns músculos aqui e ali. Seu rosto também possuía traços mais preenchidos e ele usava uma barba bem farta que o envelhecia um pouco. A pele morena dele estava ainda mais bronzeada, graças ao clima tropical e o cabelo parecia mais escuro e comprido, nada exagerado. Os olhos castanhos claros como mel e os cílios gigantes de dar inveja em qualquer mulher, no entanto, eram os mesmos de quando o conheci. Téo havia mesmo se tornado um belo homem, eu precisava admitir.

— Você não se lembra de mim? — ele insistiu e só então percebi que até o momento não havia dito uma só palavra e ainda o encarava como um cachorro de rua observa o frango assado na padaria.

“Vamos, Bianca! Diga alguma coisa! O que ele vai pensar de você?” ordenei a mim mesma. “Qualquer coisa, pelo amor de Deus!”.

— Fomos da mesma igreja. Conheço seu pai, Paulo e seu irmão, Tiago...

— É claro que sei quem você é — respondi exasperada e forcei um sorriso, temendo ter sido grossa demais. — Quer dizer, como não poderia saber? Nós éramos da mesma classe na escola dominical. Você acompanhava sua avó, Maria Flor. Aliás, ela está ótima, minha mãe sempre a visita. Mas já deve saber disso, porque mesmo longe você dá um jeito de mandar notícias, pelo menos foi o que sua avó contou à mamãe. Ela deve estar feliz porque voltou ao Brasil e está aqui agora. Sim, na minha frente, em carne e osso e... Meu Deus, estou falando sem parar.

Do Grão à Perola - Livro 3 (EM PAUSA)Onde histórias criam vida. Descubra agora