O essencial para as estrelas

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Para Antônio, o amor é o que Platão diz: o amor é, nada mais — e nada menos — do que uma doença.

Facilmente substituído por cálculos de Unidades Astronômicas, como a distância entre o Sol e a Terra. Amor trocado sem pensar duas vezes por órbitas dos Planetas do Sistema Solar. Ele tem certeza que o amor pode ser bem observado sem telescópio nenhum, à olho nu, um buraco negro e vazio. Tão sem graça comparado às estrelas brilhantes e planetas dentro e fora da nossa Via Láctea.

Porém, discorda Felipe. O Príncipe do Reino de Vênus, futuro herdeiro de toda a fortuna e estrelas que Antônio jamais pudera imaginar ter. Para Felipe, amor não é nada mais do que dar um pouquinho da sua vida à outra, e receber de volta também. O amor é muito mais fascinante para Felipe, mas não tão fascinante quanto a órbita do Planeta Júpiter para Antônio.

E está aí um problema mais complexo que outros cálculos sobre a velocidade da luz: Felipe quer dar um pouquinho de sua vida para Antônio, mas ele não quer nada além do essencial para as estrelas.

Os olhos eram verdes. Como esmeraldas. Mas uma esmeralda falsa, porque depois do pôr do sol, o verde escurecia e prevalecia um castanho meio claro, meio escuro; sem vida. Era como se fosse uma alma vazia vivendo todos os dias sabendo que iria morrer em alguma hora, e não fizesse nada para aproveitar a vida até lá. Sentou no banco empoeirado e contou os segundos e mili segundos para o fim de sua vida chegar. Sua vida miserável, podre e pobre; com cores chatas assim como a cor dos olhos após o pôr do sol. Esmeralda triste e sem graça.

Os dedos eram tortos. Quero dizer, quais dedos eram tão tortos assim? Seu pai comentou na cozinha um dia que ele andava tão torto como um pato correndo atrás de uma migalha de pão no lago do Castelo. Teve que aprender a andar endireitado sozinho. Seu pai é apenas um cozinheiro do Castelo e meus pais não fazem oferta caridosa para qualquer um. Eu poderia pedir. Poderia. Mas não somos amigos.

No entanto, eu ainda o observava quando seu pai precisava de ajuda dele na cozinha, mesmo com milhares de outros funcionários e cozinheiros do Castelo. Ou quando ele ficava perto das crianças, filhos de criados, em frente ao Castelo. Eram dias em que meus pais estavam de bom humor. Dias que já se foram há muito tempo, e agora, eu não vejo o rosto de muitas delas. O terreno em frente ao Castelo agora fica vazio, passando apenas as carruagens reais ou quando precisamos tirar fotos para o Jornal Oficial de Júpiter.

Mas o filho do cozinheiro...O que ele valia? O mesmo valor que o pão que amassamos para os cachorros dos guardas. E basta pensar nisso todas as vezes que eu me pegava o observando demais. Alimentando e cultivando dentro da minha cabeça, eu repetia isso tentando fazer eu mesmo entender. O cabelo, o sorriso, as covinhas, o nariz, o corpo e a risada... Nem mesmo quando seus olhos brilhavam à noite, fugindo de seu pai para ver as estrelas. Nada, nada disso vale nada.

Para o resto da constelação e seus habitantes.

Porque antes, ninguém e nada tão pequeno — tampouco grande — significou tanto para mim. Felipe e seus anéis de amor que tanto vagueiam em outra direção, longe do eco e frieza de Júpiter.

Naquela noite, tomei outra decisão. A caminho de meu quarto, em vez de subir as escadas, corri para as rampas que me levavam para os quartos dos criados e a cozinha. Os corredores estavam em completa escuridão, e a cozinha longe ainda estava acesa com uma luz âmbar forte. Fui seguindo agachado e com passos apressados até a luz. Ao chegar lá, eu fiquei de joelhos e abri um pouco a porta e encostei meu ouvido na madeira.

— Mas papai, eu não quero! Quero ir e ver as estrelas. Não sei fazer nada aqui, não irei conseguir e os Reis irão me odiar! Nunca farei um bom trabalho como o senhor, por favor, me deixe ir.

Parapeito das Ilusões de um Sonho MortoOnde histórias criam vida. Descubra agora