As tochas iluminavam a sala repleta de pessoas que cochichavam sem parar. Carlos VII, o Rei da França que ainda não era coroado em Reims como era de costume, estava disfarçado em meio os outros membros da corte, todos animados para testar a suposta "Virgem de Lorena". A ideia era confundir a menina que dizia ser enviada por Deus. Não era uma ideia muito boa mas não esperaria algo perfeito vindo do homem que agora dava pulinhos animados batendo palmas silenciosas de ansiedade, o homem que eu havia me casado. Aquilo seria no mínimo engraçado, mas eu sentia pena da garota que provavelmente seria humilhada quando se curvasse perante o homem que fingia ser o rei, sentado no trono ao meu lado. A menina camponesa nem sequer já havia visto Carlos, mas certamente a corte não se preocupava com isso, tudo que eles queriam era um pouco de diversão.
A porta se abriu e dela veio a menina, mas definitivamente não era uma garota comum. Conseguia ser a pessoa mais extraordinária que eu havia visto em toda a minha vida, meu coração bateu aceleradamente ao ver aquele ser divino tão incrível que se aproximava. Era difícil achar apenas uma palavra para descrevê-la mas certamente uma das milhares que eu usaria seria excêntrica.
A menina era baixa e magra de um jeito que as roupas de pajem, as quais eu nunca havia visto uma mulher usar antes, ficavam soltas naquele corpo perfeitamente esculpido pelo mais maravilhoso artista celeste. Seus cabelos era muito escuros, de um preto intenso, cortados muito curtos em um corte muito parecido com o de qualquer homem naquela sala, mas nela caía um milhão de vezes melhor. Seus olhos tinham uma intensidade que eu nunca havia visto antes, eram poderosos, eram inocentes, parecia que nada passava despercebido por aqueles belos pares de olhos, eram olhos que tudo viam, olhos de anjo. Ela era simplesmente linda.
Tive vontade de levantar do trono e correr até ela, uma vontade insana de beijá-la, como se nada mais no mundo importasse. Porém, não movi nem sequer um músculo, o pouco de responsabilidade e bom senso que me restava não permitiu que eu seguisse meu coração. Em frente a tantas pessoas aquilo seria suicídio, pedir para morrer e, apesar de todo o sentimento de minha parte, eu não fazia nem ideia se ela sequer havia reparado na minha presença. Tal pensamento me fez sair do paraíso que meus pensamentos sobre a menina se tornaram e voltar a realidade, mas não me impediram de a observar atentamente.
Quando percebi que a menina vinha na minha direção achei por um momento que meu coração sairia pela boca de tão acelerado. Ela andava calmamente, olhando ao redor, para cada pessoa daquele salão, porém não parecia perdida, estava confiante e parecia certa do que fazia. Não vacilava nem por um segundo, parecia um grande general experiente e não uma menina que eu diria ter pouco mais que dezesseis anos de idade.
Seu olhar se cruzou com o meu por um segundo ou menos, ela não se deu o trabalho de parar o olhar em mim, apenas me olhou como fez com a maioria presente, sem interesse nem nada daquela natureza. Aquela simples indiferença chegou a ser dolorosa.
Sua atenção agora estava fixa no homem ao meu lado. Naquele momento me lembrei do motivo dela estar ali e senti um nó no estômago, a qualquer momento se reverenciaria ao homem que acreditava ser seu rei e assim, tida como fraude, seria levada embora. Meu coração ficou apertado em pensar que aquele belíssimo ser divino seria motivo de gozação, até que o imaginável aconteceu.
- Ele não é o Delfim, por quê estão tentando me enganar? Onde está Carlos VII? - sua voz era doce, trazia uma paz instantânea e soava como a mais bela das melodias, apesar da frustração da menina estar evidente.
- Não vai se curvar diante do seu Rei? Esse é o homem que você procura! Menina insolente! - um dos padres presentes a testava, o jeito brusco que falava com ela me incomodava, mas não mais do que o fato da menina adivinhar que aquele homem era um impostor mesmo sem nunca ter visto Carlos antes, quem era ela?
- Não ele não é! Vossa reverendíssima, asseguro que a natureza da minha missão é séria! Vocês estão brincando comigo! Por favor, aonde está o Delfim? - era uma menina insistente, determinada, eu havia gostado disso.
- Pois bem, ele está nessa sala, ache-o por conta própria se puder! - o padre a encarava intrigado.
Para mim aquilo já era demais, a menina já havia adivinhado que aquele não era o Rei, não havia motivos para mais provas. Por que simplesmente não mostravam onde estava Carlos? Mas a garota não pareceu se abalar com isso, não parecia se abalar com nada para ser sincera, seguiu com passos firmes em meio as pessoas, olhando cada um que estava lá com atenção.
Tentei localizar meu marido, a esse ponto já havia me esquecido dele. Carlos estava muito bem disfarçado, atrás de algumas armaduras, olhando para a menina de forma curiosa através dos trajes de metal. É claro que qualquer um que o conhecesse o acharia com facilidade. O homem tinha um jeito infantil, inseguro, algo que o destacava dos demais, não necessariamente de uma maneira positiva, mas ainda assim destacável. Porém a Virgem de Lorena não sabia disso, ao menos eu achava que não. A ideia de que Carlos já a conhecesse e que aquilo era tudo uma armação não me parecia tão impossível, certamente o Rei não se daria o trabalho de ter me contado. Mas aquela menina me passava verdade, apesar de nunca ter falado com ela e de tê-la visto pela primeira vez hoje, ela me parecia verdadeira e estava disposta a confiar de toda minha alma nela.
Ela parecia cochicar baixo com alguém invisível, enquanto andava com firmeza como se tivesse costume de fazer aquilo todos os dias. A garota andou até o Rei como se alguém o indicasse para ela. O salão explodiu em aplausos quando a menina se ajoelhou diante de Carlos e é claro que eu contribui para o barulho de comemoração, aquilo era milagroso.
- Meu bom Delfim, sou Joana, a Donzela e trago uma mensagem dos céus para vossa majestade! - o sorriso satisfeito dela aquecia meu coração.
- Bem, pois diga - o homem dizia de forma séria mas eu sabia que lutava contra a vontade de sorrir e aplaudir Joana.
A menina ficou em silêncio olhando ao redor, até que se dirigiu novamente a Carlos.
- Majestade, minha mensagem só pode ser revelada a você e apenas a você - ela falou com seriedade - Poderíamos conversar a sós?
- Ah, tudo bem... - o Rei falou pensativo, logo se virando para todos que os olhavam atentamente - Saíam por favor, todos, andem depressa!
Aquilo me fez desabar em desânimo e descrenças enquanto o tumulto se alastrava com diversas pessoas tentando sair ao mesmo tempo da sala. É claro que algumas como eu se demoravam mas não adiantou muito. Logo as minhas damas de companhia se aproximaram, se reverenciando.
- Majestade - elas falaram em uníssono, porém de maneira menos demorada que de costume, afim de seguirem a vontade do Rei e saírem logo do lugar.
Me levantei suspirando e as segui, sendo apressada enquanto caminhava. Ouvi alguns padres reclamarem e pedirem a Carlos para que ficassem junto durante a tão secreta conversa mas nenhum pedido foi concedido. No final todos estávamos fora da sala do trono, exceto Carlos VII e a Virgem de Lorena, Joana, a Donzela. Me perguntei o que ela falaria para ele e tentei acalmar meus sentimentos enquanto caminhava para longe dali.
A verdade era que naquele momento eu senti inveja de meu marido, daria tudo para estar no lugar dele, para ter toda aquela atenção de Joana, para estar a sós com ela.
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Invisível - A paixão secreta de uma rainha
Historical FictionJoana D'Arc era simplesmente incrível, ela era maravilhosa! Ao menos era isso que a Rainha consorte da França, Marie D'Anjou, acreditava de todo seu ser... Ela só não sabia se poderia compartilhar essa tão intensa paixão com mais alguém.