Capítulo III

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Joana estava bem. Havia voltado de Orléans a salvo e para a alegria dos Armagnac, tinha libertado o cerco. Era conhecida agora como a Donzela de Orléans, a heroína da França, que prometia que tiraria das mãos dos ingleses a nossa pátria. Era incrível como a cada segundo que passava, Joana parecia ainda mais incrível aos meus olhos.

Eu não queria admitir que estava apaixonada, porém seria impossível negar isso para mim mesma. Joana D'Arc me deixava nas nuvens, me fazia sonhar acordada. É claro que ninguém fora eu sabia disso, era meu maior segredo apesar de ser meu sentimento mais intenso. Às vezes, ao refletir sobre, no silêncio e na escuridão da noite, eu me sentia culpada, até um tanto suja por tais desejos e pensamentos. A verdade era que eu não conhecia nenhuma outra mulher que gostasse de mulheres também, que gostasse dessa forma. Porém eu já tinha ouvido falar sobre e até onde eu sabia, era criminoso, era errado, era pecaminoso.

O sentimento de culpa me afligia com cada vez mais frequência. Eu tentava esquecer de tudo e ser uma esposa devota de todo meu ser apenas a Carlos, mas, apesar de todo meu esforço, meu corpo podia pertencer a ele mas meu coração e meus sentimentos nunca foram dele. Eu não devia me sentir culpada por algo que eu não escolhi. Eu simplesmente não sabia o que fazer, eu precisava esfriar a cabeça, pensar sobre qualquer coisa que não me deixasse daquele jeito e eu supus que uma caminhada ajudaria.

Eu estava errada.

Aquele era um belo castelo sem dúvidas, estava longe de ser o mais luxuoso da França mas ainda assim tinha sua beleza. Olhar as grandes vidraças coloridas me acalmava às vezes, era bonito o desenho que elas formavam no chão com a luz solar ou lunar. Outra coisa que eu gostava, ao menos naquele corredor, era o simples fato de ser um tanto isolado, dificilmente alguém andava por aquele lugar, o que o tornava uma espécie de refúgio.

Eu estava enganada ao pensar que ninguém estaria lá naquele dia também e bom, definitivamente não era qualquer pessoa.

Com suas roupas masculinas de um tecido luxuoso e seus cabelos negros muito curtos vinha Joana, a Donzela, com um ar distraído, observando as vidraças mas parecia estar com o pensamento longe. Eu comecei a tremer, com o coração a mil, eu nunca havia falado com ela antes, eu não sabia nem se ainda tinha a capacidade de falar naquele momento.

Não demorou para ela perceber minha presença enquanto se aproximava, então, aparentemente um pouco sem graça pela distração se apressou em se reverenciar.

- Minha boa Delfina! - ela me saudou com sua voz doce, enquanto me olhava com um leve sorriso naqueles belos lábios.

Eu estava paralisada, não conseguia falar sequer uma palavra, parecia haver esquecido até como se respirava naquele momento, estava prestes a ter um colapso.

- Delfina, você está bem? - a menina parecia confusa - Eu posso ir embora se vossa Majestade preferir...

- O que?! Não! Eu estou ótima! Fique mais um pouco por favor! - as palavras saíram de forma atropelada de minha boca, para meu desgosto, de uma forma desesperada - Me chame de Marie apenas...

- Eu não poderia Majestade - a garota falou de uma forma tímida - Você é a Rainha da França, seria errado apenas chamá-la apenas pelo primeiro nome, não sou importante a esse ponto, não tenho esse direito!

- É claro que você é importante Joana! - falo a olhando, era ainda mais magnífica de perto, não resisti a tentação de tocar ela, encostei minha mão delicadamente em seu rosto, acariciando sua bochecha, sua pele era suave, macia, quente. O toque que me fez ficar arrepiada, era uma das melhores sensações que eu já tive em minha vida - Você é incrível! Sabe disso, não sabe?

- Eu... Só faço o que sou instruída a fazer, Majestade - ela olhava em meus olhos de uma maneira intensa, meu coração estava a mil com aquilo.

- Tu és simplesmente linda - as palavras fugiram da minha boca em um tom baixo, mas me arrependi no mesmo segundo já que naquele momento ela havia abaixado o olhar e eu já não poderia apreciar aqueles olhos magníficos.

Eu não sabia decifrar direito as emoções da menina, mas presumi que ela tivesse ficado desconfortável, talvez confusa, o que me deixou péssima por deixá-la assim.

- Me perdoe, não quis deixá-la assim e... - me apressei a dizer mas a menina me interrompeu.

- Não precisa se desculpar Majestade, você não fez nada demais, eu devo agradecer pelo elogio apesar de minha aparência não ser algo que tenha minha total atenção, vossa Majestade és muito bonita também - seu tom era indiferente, ela parecia não querer se importar com o que eu havia dito e apesar de a parte que se tratava de mim ter feito meu coração acelerar, eu sabia que provavelmente não se passava de educação - Bom, eu estava a caminho de uma conversa com o duque d'Alençon, se você não se importar... - a menina falava meio sem jeito, sabia que queria sair dali.

- Ah tudo bem, foi bom conversar com você Joana, está liberada se quiser ir - falo dando o melhor sorriso que eu poderia naquele momento, sentia como se eu tivesse estragado tudo, havia jogado fora minha chance.

- Majestade - ela falou se reverenciando, virando-se para sair.

Respiro fundo com aquilo, eu dificilmente teria uma outra oportunidade dessas, de ficar com ela a sós. De qualquer forma havia sido ótimo apesar de tudo. Sentir sua pele na minha, ter seu olhar no meu. Naquele momento eu tinha certeza que o paraíso não poderia ser tão diferente daquelas sensações.

Me viro para olhá-la na esperança que ela não tivesse ido embora ainda. Eu estava certa, mas a forma com que estava parada no meio do corredor como se estivesse em um conflito interno me fazia estranhar. Então o inesperado aconteceu, ela se virou para me olhar e correu em minha direção, me abraçando sem mais nem menos e aquilo foi simplesmente perfeito. Se tocar seu rosto já havia sido incrível, nem se comparava a tê-la em um abraço. Ter seus braços me envolvendo, seu corpo junto ao meu, sua respiração próxima ao meu rosto, sentir seu coração batendo em um ritmo acelerado, aquilo era, era perfeito demais para ser medido em palavras. E então ela sorriu, olhando em meus olhos.

- Você realmente é muito bonita, Delfina - foi o que ela falou, antes de se virar e sair realmente dessa vez.

Eu não conseguia acreditar no que tinha acontecido, era real ou um sonho? Não importava, não naquele momento, aquilo tinha sido perfeito. Também não conseguia conter um sorriso, um sorriso enorme, eu estava realmente feliz.

Eu amo Joana D'Arc.

Foram as palavras que soavam sem parar em minha mente naquele momento, eu mal poderia esperar pelo momento que a visse novamente. Me perguntava se meus sentimento eram recíprocos, isso não era impossível, era?

Invisível - A paixão secreta de uma rainhaOnde histórias criam vida. Descubra agora